domingo, 26 de abril de 2009

35ª mensagem, ou "post"

25 DE ABRIL


Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen


É certo que nos ficou a Constituição de Abril, que nunca deveria haver medo nem censura, mas, dessa madrugada, só temos a memória, a memória de um vislumbre da nossa alma, alma de lavradores, empurrados para o mar pelo destino, pelo destino de "ser tudo".

Logo veio a manhã, e, logo nessa manhã de Abril, deixamos de "habitar a substância do tempo": no largo do Carmo, no simbólico lugar escolhido por Nun´Álvres Pereira, que hoje chegou a santo, para reinar em silêncio sobre o país que libertara à custa da guerra, renunciando à glória e ao poder para criar a Paz, o Capitão de Abril preferiu a Paz, o compromisso, à luta sangrenta pela Esperança. Foi "S. Portugal em ser"!

O poder tinha "caído na rua", coisa que sempre assustou os poderosos de todos os tempos, aqueles que se acreditam destinados a sê-lo, aqueles que, por isso, acreditam ser o povo inculto, infantil, servil, incapaz de se auto-governar, aqueles que acreditam que, como dizia Berthold Brecht, "sem o Ministro da Agricultura o trigo cresceria para baixo"; face a tal aflicção, face ao poder caído na rua, Marcelo Caetano recusou render-se ao Capitão que lho pedia. Para ele o poder seria apanhado do chão pelo Partido Comunista, para ele os Capitães eram todos vassalos ingénuos dos "Russos", para ele não havia homens livres, só havia servos e senhores.

Saberia ele que os senhores do mundo desse tempo, os americanos e os russos, já tinham decidido que Portugal estava do lado de cá da "cortina de ferro", que, na partilha do mundo que haviam feito, nunca seria uma "nova Cuba"? Saberia ele que o czar russo explicara a Álvaro Cunhal que Portugal seria uma democracia burguesa, em que o P.C. saísse da clandestinidade, sim, mas sem revolução socialista? -- Sabia.

Mas não aceitava que o Partido Comunista fosse um partido legal, como os outros, não aceitava que Portugal reconhecesse aos territórios "ultramarinos" o direito à independência total, não aceitava a democracia autêntica; temia que o poder ficasse "na rua", que nem "os russos" controlassem um povo que "habitasse a substância do tempo". Por isso exigiu render-se ao seu delfim, ao general a quem permitira publicar o livro "Portugal e o futuro" para ter a quem entregar o poder, chegada a hora.

E o Capitão que, no largo do Carmo, tinha nas mãos um povo inteiro e livre, um povo que poderia criar o socialismo que os russos falharam, aquele a que Sophia chamava "uma aristocracia para todos", o Capitão que entrou, sozinho, no quartel do Carmo, para insistir com o tirano que se rendesse, que evitasse o sangue, o Capitão Salgueiro Maia foi a alma de Portugal nessa manhã fatídica, foi o Santo que pôs a Vida acima do poder. Não se importou de perder a liberdade política -- que nunca se perde na alma -- para evitar uma morte que fosse.

E até sabia que a sua nobreza seria interpretada, pelo fascista encurralado e pelo general snob a quem iria dar o poder, como atávico servilismo -- mas ninguém morreu às mãos da nossa alma livre! Apenas às de um pide que disparou, da janela, uma rajada para a rua, mas, desses, dos autênticos servis, o que se poderia esperar?

E assim entrou a livre madrugada na manhã deste regime, há 35 anos! É a idade em que começa, no homem (para o saber biológico que hoje temos), a decadência lenta da inteligência e da força viril. E é um regime que, hoje, não passa de o poder de uma seita de políticos e funcionários burocratas corruptos, esquecidos da sua alma de portugueses, tranquilos de ser os únicos que podem ir a votos em listas sem esperança. Ontem o Presidente da República fez um apelo patético para que votemos; para que lhes demos "legitimidade democrática"!




Precisamos de uma nova madrugada, sem medo de "papões"; já não nos podem meter medo com russos nem com americanos nem com fascistas! Os papões estão à vista, no governo central e nos governos locais.

Precisamos de uma democracia natural, uma em que os candidatos a senhores, aqueles que dizem: "haja o que houver, salvem-se as hierarquias", fiquem a berrar no deserto, que não haja hierarquias para salvar!

Que o nosso destino sempre foi o de deixar, por bondade, que se sentem no governo os que gostam de lá estar e o de, por compaixão e desinteresse, os deixar esbanjar a riqueza de todos. Mas sempre soubémos que somos enganados e, em faltando a todos a riqueza, pedir-lhes-emos, tranquilamente, que se vão embora! Os funcionários que fazem leis, vão a votos, enchem os bolsos, adjudicam obras e nos atrapalham a vida pensando tomar conta de nós, pobres crianças que só pensam em futebol, as "elites" do regime, são uma despesa com um "custo/benefício" demasiado alto, uma despesa positivamente louca! Um luxo a que teremos que renunciar, mais ano menos ano!

25 de Abril, sempre!