Numa estradinha do Alentejo, um autocarro cheio de políticos que se dirigiam para uma almoçarada, que precedia uma inauguração qualquer, despista-se contra um chaparro, a grande velocidade.
Mais tarde, um jornalista, remoendo se não teria sido melhor aceitar o convite dos políticos para almoçar, afinal a sua independencia era acima de qualquer suspeita, passa pelo local do acidente, a caminho da mesma inauguração. Vê o autocarro desfeito e um alentejano, debaixo do chaparro, como nas anedotas, com uma pá.
-- E os políticos, onde estão os políticos? (a reportagem, afinal, prometia).
-- Enterrei-os.
-- Enterrou-os? mas nenhum estava vivo??
-- Alguns diziam que sim... mas sabe como são os políticos!
As anedotas podem ser vistas como uma forma de arte popular, falam-nos do nosso inconsciente colectivo. O Alentejo, por ter sido parte da civilização muçulmana durante sete séculos, no tempo em que ela nos trouxe os algarismos da Índia, os livros dos gregos e também por ter comerciado com a cultura mediterrânica, em geral, é, com o Algarve (ou o que dele resta), a parte mais civilizada de Portugal. Temos um atávico respeito, de bárbaros do Norte, pelo alentejano e por isso o ridiculizamos em anedotas. Porém, hoje em dia, o Norte e o Sul do país estão integrados e somos a parte mais civilizada da Europa porque a que mais culturas integrou. Só o Brasil nos supera, que integrou asiáticos, indianos, o mundo todo! E, lá, as anedotas de portugueses cumprem o mesmo papel.
Os políticos são "um mal necessário". No cerne da civilização lusófona há uma anarquia essencial, sentida inconscientemente como aquilo para onde vamos, o limite para que a nossa civilização tende, o "Reino do Espírito Santo" de Agostinho da Silva, o quinto Império de Fernando Pessoa, uma utopia muito nossa em que cada um toma conta de todos, como de irmãos que os sente, e ainda tem tempo para se sentar à sombra da bananeira. Entretanto macaqueamos os europeus do Norte e os americanos do Norte, porque sabemos que o nosso destino é integrá-los também, a essa gente estranha que precisa de muito dinheiro, de muitos brinquedos caros e lhes sacrifica a vida. Mas é raro macaquearmos aqueles hábitos de estudo sério, de levantar cedo, de esforço continuado. Preferimos ganhar o Euromilhões... ou outra "esperteza" qualquer que traga dinheiro depressa -- como a política.
Respeitamos a "esperteza" de quem tem milhões sem nos interrogarmos como os arranjou com o ordenado de um cargo público. Somos assim.
Quando exageram, lá os apeamos, meio a contra-gosto, só porque parece mal, queremos ser bem vistos na Europa, queremos integrar a Democracia. Foi para os apear que apareceram os revolucionários marxistas, no tempo da outra senhora, quem mais lutou (e luta), paradoxalmente, pela democracia, pelas regras de chegar ao poder pelo voto, os quais deram a CDU e o Bloco de Esquerda; que apareceu a ala liberal de Sá Carneiro, que veio a dar o PPD/PSD... E foi para apearmos o antigo regime, um grupo que se chamava a si mesmo de "elite" e que estava a abusar, que apareceu o PS, partido europeu e defensor da democracia burguesa por excelência, a quem temos dado o encargo de nos governar (encargo difícil, nós somos os descendentes de um povo que havia, lá na Hispânia, que "não se governa nem se deixa governar", como dizia o escritor romano).
Chegou a hora de o apearmos.
Porque é que isso é do nosso interesse, do nosso interesse civilizacional? Não é por o PS ser um grupo de amigos, que se defendem uns aos outros como uma "máfia", quando as "espertezas" correm mal a algum; até achamos bonito que sejam amigos, até achamos graça a estes seus amigos espanhóis que acabaram com o jornal da sexta da TVI, pensando ajudar! LOL, até estamos habituados às espertezas dos governantes para lucrar com os dinheiros públicos...
O que se passa é que o caminho que propõem para Portugal é a continuação deste.
E chegaram, no Mundo, os tempos de mudança. Quem nos governe terá que perceber isso, antes de tudo. Terá que perceber que vamos navegar no meio da tempestade, que o número de desempregados crescerá sem fim, que demorará mais de uma dúzia de anos anos até aparecer uma nova estrutura social, uma tão diferente da actual como a de Abraham Lincoln o era da de Luis XIV.
O sistema financeiro internacional é como um barco que bateu num rochedo e em que a água entra. Tiramo-la, afanosamente, mas sabemos que são tolos os que esperam que volte a navegar como antes e querem continuar viagem. Não ligamos aos tolos e certamente lhes não entregamos o leme. Temos que tentar chegar a terra, que construir outro barco e, então, continuar a viagem.
Importamos mais de 80% do que comemos. A dívida portuguesa ultrapassa a nossa capacidade de pagar os juros, quanto mais a de a amortizar... devemos votar em quem quer continuar a cobrir os vales férteis de auto-estradas e de prédios? Temos uns milhões de habitações a mais, podemos oferecer hospitalidade, ainda bem! ... mas -- quem nos dará crédito para continuarmos a comprar comida noutros países, no futuro?
Estamos, nesta sociedade de consumo, a esgotar os recursos naturais do planeta, incluindo as florestas virgens que já não conseguem desdobrar o CO2, o petróleo que continuamos a queimar... só faz sentido votar em quem compreenda isto.
Alguns dizem que sim... mas sabe como são os políticos!
