sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O professor

Nos idos anos 80 do século passado, na ressaca da incipiente revolução socialista à portuguesa, já entrados na CEE e a ganhar barriga, os portugueses decidiram oferecer o governo a um professor de Economia, homem sério e com ares de quem evitaria nova visita do FMI.
O professor tratou de retirar da Constituição esse desiderato que não partilhava, o tal "rumo ao socialismo". Feito isso tratou de criar uma classe que lhe parecia imprescindível num país europeu civilizado: a dos financeiros e donos de grandes companhias, sem os quais não haveria criação de riqueza, condição necessária (e suficiente, o professor não duvidava disso) para que, um dia, houvesse a distribuição da dita. Pôs à venda os bancos, nacionalizados no PREC, que foram privatizados com a mesma intenção com que tinham sido nacionalizados: tornar o crédito mais barato; "de boas intenções está o inferno cheio".
Dir-se-ia que o professor era um neo-liberal, admirador da sra.Thatcher. Mas, com o resultado das vendas (a que se juntou um liberal endividamento), o professor tratou de fazer obras públicas, porque continuava a ser neo-keynesiano e não tinha dúvidas de que as duas doutrinas económicas que se opunham ao socialismo fossem compatíveis; quanto mais depressa nos libertássemos do socialismo, melhor.
Fez o CCB, obra do Gregotti, um belíssimo arquitecto, não sou dos que criticam os luxos. Já a lindíssima ponte Vasco da Gama não tem desculpa: escolheu a parte mais larga do rio (a que daria mais lucro às cimenteiras) e levou o trânsito para uma área ecologicamente protegida, na outra banda, uma área a urbanizar no futuro: um keynesiano acredita nas obras públicas, foi ele quem insistiu para que não fosse em Chelas, onde o rio é mais estreito, como pediam os ecologistas.  Assim dava às futuras obras da EXPO um incentivo e deixava a ponte de Chelas para mais tarde... de facto as obras nunca mais pararam, os governos PS seguiram o "liberalismo keynesiano", o qual criou uma alta finança portuguesa e uma alta dívida portuguesa (também criou uma altíssima corrupção, mas isso não se vê!). Para fazer a ponte o professor introduziu em Portugal o conceito de parceria público-privada, uma maneira de dar aos privados um belíssimo negócio e ao Estado uma factura de pesadelo adiada.
Mas fez coisas úteis, a auto-estrada Porto-Lisboa, por exemplo...só que não foi o Estado quem a fez, foi o grupo Mellos, o qual fez um belo negócio e um que nos explorará para sempre, nas portagens...Porque não a fez? Porque não usou empréstimos para isso? Estariam pagos, hoje, e várias vezes; já não teríamos portagens... -- O professor foi liberal, queria o mínimo de Estado, os privados a ter as iniciativas, e foi keynesiano, queria o Estado a manipular a economia: ofereceu um monopólio a um grupo económico forte, como esse, porque não tinha dúvidas de que o liberalismo precisa deles e de que precisamos do liberalismo; logo, de que o Estado os deve ajudar.

Nestes últimos anos, enquanto supremo magistrado da Nação, responsável pela fiscalização do governo, assistiu à apoteose do liberalismo keynesiano: o serviço da dívida (sem contar a das empresas públicas nem a das Câmaras nem a das empresas privadas) é, em 2011, de 46 mil milhões de euros (assim uma dezena de TGVs), dinheiro que teremos que pedir emprestado e que se vai somar aos 500 mil milhões que já devemos.

Que o professor não tivesse dúvidas sobre o fantasista caminho liberal / keynesiano que escolheu, compreende-se, foi ele quem disse "Nunca tenho dúvidas e raramente me engano". Já o que me custa a entender é que, durante vinte e tal anos, nunca se tenha interrogado se o caminho em que nos lançou não teria sido um dos seus raros enganos... --Ah!: mas interrogar-se seria duvidar, e isso de duvidar é connosco, que não percebemos nada de finanças! Nós até duvidamos de que uma segunda volta nas eleições presidenciais seja ruinoso para o país, como o professor sentenciou... Alguns de nós são tão burros que pensam mesmo que isso seria um dos melhores investimentos públicos das últimas décadas!
Felizmente não pensamos todos assim: a maior parte de nós acredita que, mais dia menos dia, vem aí a distribuição de riqueza que o professor nos prometeu há vinte e tal anos, o resultado natural da sua imensa sabedoria económica.