sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Lápis Azul

Este artigo viu a censura interna do Jornal de Santo Thyrso em duas semanas seguidas. Aparecerá na próxima sexta feira? Aqui fica:

Hospital Privado

Transcrevem-se alguns excertos da acta da Assembleia-geral do grupo empresarial CMST, o maior empregador do Concelho: 

O presidente da Assembleia-geral deu a palavra ao Sr. Director do Departamento de marketing, que considerou o seu pelouro como a peça chave para os lucros da empresa, justificando amplamente a duplicação do seu orçamento; referiu-se ao aumento das publicações do sector e, muito especialmente, ao sucesso da campanha contra o encerramento da Maternidade, que melhorou muito a imagem pública da Empresa. Lembrou como o seu Departamento geriu o abandono da estratégia de crescimento no sentido das margens do rio, sem que a imagem pública do grupo saísse, sequer, beliscada. Lembrou ainda como o plano cumpriu, na altura, o seu papel de marketing, com a presença do Sr. Presidente da Republica, Dr. Jorge Sampaio. A nova ponte, a nova estação e a promessa de um percurso pedonal ribeirinho pela Escola Agrícola eram os primeiros equipamentos e chamarizes para o crescimento da cidade naquele sentido; outros se seguiriam, como um novo Hospital ou uma Escola Politécnica sobranceira ao rio, na margem de lá, por exemplo.

O representante do accionista Estado /Ministério da Saúde louvou a iniciativa da construção de um Hospital Privado, o qual vem diminuir a pressão para que se construa um novo Hospital Público, com todas as despesas que daí adviriam; informou a Assembleia de que a privatização dos Hospitais é a política do grupo que representa.

O sócio Eng. Pedro Betão e Ferro lamentou que o grupo empresarial não tenha atingido o número de rotundas /ano dos seus congéneres do centro do país mas louvou a eficácia da empresa de transformação de áreas verdes em áreas de construção, cujos resultados positivos ficaram bem patentes no último PDM. Referiu-se nomeadamente à transformação do espaço público arborizado da quinta das Rãs em área edificável, aumentando a densidade urbana nesse extremo da cidade, junto à zona verde que ali a limita. Cria-se, assim, a pressão urbana que justifique, no futuro, a transformação dessa fronteira verde em área de construção, no extremo oposto da cidade, em relação à zona prevista para o seu crescimento.

A esse propósito o Sr. Director do Departamento de engenharia financeira referiu-se à inteligência com que foi torneado um obstáculo burocrático /jurídico: tendo esta empresa, há uns anos, decidido alienar, por mais de trezentos milhares de euros, o espaço público da quinta das Rãs, foi-lhe movida uma acção judicial e o juiz (um “burocrata anacrónico desprovido de sensibilidade empresarial”, disse) decidiu que os espaços públicos não são privados, se destinam ao usufruto dos moradores e não podem ser vendidos! A solução passou por deixar passar mais uns anos e por fazer uma alteração ao PDM em que aquele espaço público passou a ser área de construção. Então foi oferecido ao futuro Hospital Privado, uma entidade de evidente interesse público para os moradores (que já têm manifestado o seu aplauso), por um milhão de euros, o triplo da soma anterior. O magistrado legalista e burocratizante transformou-se assim no responsável por um lucro especulativo que este grupo empresarial não pode ser acusado de ter procurado!

O sócio Sr. Ângelo Munícipe, congratulando-se com estas vitórias do grupo, manifestou porém a sua preocupação de que o projecto que a empresa CMST apresentou a si mesma não consiga obter a “autorização prévia de localização”. Citou o Decreto-Lei número 555/99 de 16 de Dezembro:
Artigo 36.º #2 – Aplica-se ainda o disposto no número anterior quando se verifique haver fortes indícios de que a obra viola as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal de ordenamento do território ou as normas técnicas de construção em vigor.
A sala deu uma gargalhada ao ouvir as palavras “ordenamento do território”.

O Sr. Director manifestou ainda a esperança de que, depois do próximo PDM, passe a ser possível alienar, para construção, o património inútil que é o Parque D. Maria II, espaço público que considerou, porém, ser um investimento seguro, a conservar, porque é de prever que se valorize.

José António Miranda

4 comentários:

  1. Portugal, e as autarquias em particular, precisam de cidadão activos, que estejam atentos e estudem os negócios e "arranjinhos" que as CM, e seus autarcas, fazem para "sobreviver financeiramente"!

    Esteja atento á sua Terra

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  2. É isso mesmo! Oxalá apareçam muitos. Este blog pertence a essa ideia, não é de ninguém. Vou ver se sei informática para fazer de ti o primeiro membro activo deste blog, para que possas escrever posts directamente.

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  3. Vou ser breve, ou nunca mais arranjo oportunidade de comentar ...
    O teu panfletário texto está, como tal, obviamente bem construído.
    1 - Embora pouco conhecedor dos factos sobre a venda da parcela para a edificação do hospital privado, é claro que, em princípio, não podem ser alterados os destinos referidos nos alvarás de loteamento para as parcelas cedidas. Mas a lei permite-o em certas condições, ( actual artº 48º, nº1, do DL 555/99 ) tendo como contrapartida a indemnização por danos causados ( idem nº 4 )
    2 – Quando se altera algum dos planos a que se reporta aquele nº 1, há-de haver sempre uma razão qualquer de interesse público. Razão que, naturalmente, se concretiza ou se constata posteriormente e se sobrepõe à genérica previsão inicial. Ou a alteração não faria sentido.
    3 – Saber se se justifica a alteração de um plano para possibilitar a construção de um hospital privado numa localidade onde a permanência de um hospital público se mostrou irremediável ( designadamente se esse hospital privado integra, como associados, organismos de interesse público ) poderá ser discutível. Mas tal actuação não me parece nada escandalosa – antes, compreensível.
    4 – Escandaloso seria obstaculizar a permanência de um hospital público para possibilitar um outro privado – o que, obviamente, não é legítimo admitir no caso concreto !
    5 - Em quaisquer circunstâncias, que a câmara tenha vendido caro afigura-se-me acto de boa administração. Mau seria se vendesse ao desbarato...
    x
    6 – Erro flagrante, para que não encontro explicação – tanto mais sério quanto irremediável – foi a cedência, presumo que por venda, do terreno na Rua C. António Maria Lopes para a simples mudança das instalações de um irrelevante mini-mercado e instalação de um seu adjacente e amplo parque de estacionamento privativo dos clientes, sendo certo que tal terreno obviamente reclamava utilização como parque de estacionamento público, pela aflitiva carência deles, pela localização centralizada ( tribunal, colégio, clínica , centro hospitalar, futuro teatro... ), pela facilidade e desprezível custo de execução, pela possibilidade de rápido retorno da despesa, pela consequente possibilidade de baixas taxas de uso, pela rentabilidade subsequente ) .

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  4. Obrigado por comentar. O artigo não queria ser “panfletário”, era sobre Urbanismo, um assunto que tem sempre como grande adversário a propriedade fundiária e os lucros especulativos; aquele terreno destina-se ao usufruto dos moradores, a cidade que se constrói de novo tem que ter as suas áreas verdes, poderá ter ali algum equipamento pouco pesado, que aproveite as árvores, como um jardim-de-infância, por exemplo. Por outro lado, um equipamento como um Hospital, mesmo sendo privado, deve ser encaminhado pelos responsáveis pelo Urbanismo da cidade para onde ela vai crescer, porque tem um grande impacto, leva a cidade atrás. E gostei da ideia de levar a cidade para a ponte nova, até porque há muito que recuperar em S. Bento da Batalha, zona muito povoada. Aparentemente o Urbanismo inteligente perdeu para o lucro a curto prazo, como aconteceu com o terreno que refere, perto do Hospital, do Tribunal e do Teatro, que a Câmara vendeu para privados. Comportou-se como uma empresa, não teve o ponto de vista que lhe compete. E isso criticava o artigo.

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