Com a actual Constituição de 1976 poder-se-ia dizer que a soberania reside em Os Cidadãos, os quais nada têm de abstracto e se exprimem votando. Mas, assim como A Nação precisava de um representante que lhe entendesse os desejos, assim Os Cidadãos precisam. E, assim como, pensando estar a ouvir A Nação, Salazar ouvia os interesses da CUF e os de outras que tais, assim os nossos queridos líderes ouvem os de outras que tais.
Na maior inocência, diga-se, ouvem quem fala mais alto.
Só que, enquanto A Nação tinha a desculpa de ser abstracta para se não conseguir fazer ouvir, nós, Os Cidadãos, não temos desculpa nenhuma para estarmos tão calados, tão abstractos.
Embora o raciocínio científico tenha feito cair em desuso o analógico, ao qual os distraídos chamam “demagógico”, o cidadão, para exercer a sua soberania, tem que recorrer a analogias para dizer aos queridos líderes que decisões tomarem por ele. Imaginemos um cidadão que vai ao super-mercado comprar a comida para toda a semana e se depara com um queijo trufado francês a 20% do seu preço, uma oportunidade única, imperdível, e o compra: no primeiro dia delicia-se, e, no resto da semana, digere a experiência. Pois esse cidadão pode, e deve, dizer aos queridos líderes que não comprem o TGV que se vão (?, que nos vamos) arrepender, apesar de ser comparticipado por fundos europeus e de ser uma verdadeira pechicha.
E pode levar mais longe a analogia: “ouviram bem, queríamos 150 mil empregos! A 5000 euros por ano são 750 000 000 euros por ano, em 10 anos são 7,5 milhares de milhões de euros, o preço da linha Porto-Lisboa de Alta Velocidade.
Preferimos os empregos, é o nosso soberano desejo, ouviram bem!
Dir-lhe-iam que fazer a linha dá emprego... — tanto assim? Que as linhas de comboio trazem desenvolvimento económico…— mesmo as que não servem para transportar mercadorias, só passageiros lorpas que têm ao lado outro comboio por metade do preço?
E esses empregados todos, que haveriam de fazer? --Houve um cidadão, o director de Serralves, que propôs um “investimento público” interessante: recuperar o património. Até se arranjariam fundos europeus para a formação nesse campo. Mas, ao desempregado, interessa o emprego, mais que o campo escolhido pelo empregador.
O cidadão, para se fazer ouvir pelo poder central, em vez de fazer uma analogia com a sua economia familiar poderia fazê-la com a economia do seu Município. Poderia contar aos queridos líderes como, no seu Município, em vez de se construirem habitações para os pobres, as quais, por melhores que sejam, serão sempre “casas da Câmara”, bairros com um risco maior que os outros de delinquência, se tinham feito negócios com os bancos, donos de milhares de casas recebidas por execução de hipotecas, as quais casas, porque à dúzia é mais barato, tinham ficado por um óptimo preço ao Município, que assim evitara concentrar as pessoas mais pobres num bairro e contribuíra para aliviar os bancos do risco de falência.
O que o cidadão não pode é ficar calado, adormecido, como disse o comentador anónimo do último “post”. Porque, se ficar, haverá quem fale por ele! Os tais "outros que tais", que já não há monopólios, como no tempo da outra senhora, há "outros que tais"!