domingo, 8 de março de 2009

A Nação e Os Cidadãos

Na Constituição de 1933 (que éramos forçados a estudar, sobretudo para ”vermos” as “vantagens” que tinha sobre a anterior, a de 1911, por exemplo a “vantagem” de haver um partido único, ou seja uma oposição silenciosa, oficialmente “inexistente”) dizia-se, se bem me lembro, que “a soberania reside em A Nação”. Essa entidade abstracta era quem tomava as decisões importantes; felizmente havia um professor de Coimbra que era casado com ela, que lhe entendia a linguagem silenciosa e a traduzia. Coisas como “Angola é nossa!”, eram desejos da nossa soberana, em linguagem acessível.
Com a actual Constituição de 1976 poder-se-ia dizer que a soberania reside em Os Cidadãos, os quais nada têm de abstracto e se exprimem votando. Mas, assim como A Nação precisava de um representante que lhe entendesse os desejos, assim Os Cidadãos precisam. E, assim como, pensando estar a ouvir A Nação, Salazar ouvia os interesses da CUF e os de outras que tais, assim os nossos queridos líderes ouvem os de outras que tais.
Na maior inocência, diga-se, ouvem quem fala mais alto.
Só que, enquanto A Nação tinha a desculpa de ser abstracta para se não conseguir fazer ouvir, nós, Os Cidadãos, não temos desculpa nenhuma para estarmos tão calados, tão abstractos.
Embora o raciocínio científico tenha feito cair em desuso o analógico, ao qual os distraídos chamam “demagógico”, o cidadão, para exercer a sua soberania, tem que recorrer a analogias para dizer aos queridos líderes que decisões tomarem por ele. Imaginemos um cidadão que vai ao super-mercado comprar a comida para toda a semana e se depara com um queijo trufado francês a 20% do seu preço, uma oportunidade única, imperdível, e o compra: no primeiro dia delicia-se, e, no resto da semana, digere a experiência. Pois esse cidadão pode, e deve, dizer aos queridos líderes que não comprem o TGV que se vão (?, que nos vamos) arrepender, apesar de ser comparticipado por fundos europeus e de ser uma verdadeira pechicha. 
E pode levar mais longe a analogia: “ouviram bem, queríamos 150 mil empregos! A 5000 euros por ano são 750 000 000 euros por ano, em 10 anos são 7,5 milhares de milhões de euros, o preço da linha Porto-Lisboa de Alta Velocidade.
Preferimos os empregos, é o nosso soberano desejo, ouviram bem!
Dir-lhe-iam que fazer a linha dá emprego... — tanto assim? Que as linhas de comboio trazem desenvolvimento económico…— mesmo as que não servem para transportar mercadorias, só passageiros lorpas que têm ao lado outro comboio por metade do preço?
E esses empregados todos, que haveriam de fazer? --Houve um cidadão, o director de Serralves, que propôs um “investimento público” interessante: recuperar o património. Até se arranjariam fundos europeus para a formação nesse campo. Mas, ao desempregado, interessa o emprego, mais que o campo escolhido pelo empregador.

O cidadão, para se fazer ouvir pelo poder central, em vez de fazer uma analogia com a sua economia familiar poderia fazê-la com a economia do seu Município. Poderia contar aos queridos líderes como, no seu Município, em vez de se construirem habitações para os pobres, as quais, por melhores que sejam, serão sempre “casas da Câmara”, bairros com um risco maior que os outros de delinquência, se tinham feito negócios com os bancos, donos de milhares de casas recebidas por execução de hipotecas, as quais casas, porque à dúzia é mais barato, tinham ficado por um óptimo preço ao Município, que assim evitara concentrar as pessoas mais pobres num bairro e contribuíra para aliviar os bancos do risco de falência.

O que o cidadão não pode é ficar calado, adormecido, como disse o comentador anónimo do último “post”. Porque, se ficar, haverá quem fale por ele! Os tais "outros que tais", que já não há monopólios, como no tempo da outra senhora, há "outros que tais"!

segunda-feira, 2 de março de 2009

Soou o alarme!

A nossa democracia tem quase 35 anos, é adulta. Há jornais ainda independentes, há leis que ainda se referem a uma Constituição democrática, pertencemos a uma União Europeia onde ainda se respeitam os direitos humanos. Mas "a verdade está no paradoxo", como dizia Fernando Pessoa.
A democracia e as eleições são invocadas para justificar a sua neutralização. O poder económico, que nada tem a ver com o voto, é quem escolhe os deputados que se hão de apresentar a votos --salvo raras excepções, as quais servem o propósito de nos deixar, adormecidos, convencidos que vivemos em democracia. A "ciência" do marketing, que se desenvolveu muito nos últimos anos, é o substituto da velha censura, caída em desuso.
A entronização de José Sócrates, num congresso/espectáculo em que nada foi discutido e em que só houve um (1) voto contra, foi a campainha de alarme que todos ouviram. Mas, assim como se costuma dizer que "o maior cego é o que não quer ver", também este alarme só foi ouvido por quem se lembra do tempo de Salazar e pelas pessoas que se esforçam, todos os dias, por resistir ao marketing da sociedade de consumo e por se manterem acordadas quando todos dormem os sonhos que lhes vendem.
O P.S., o maior partido da nossa democracia, deu-nos o espectáculo da sua neutralização enquanto partido de gente livre, capaz de pensar, de discutir, de ser responsável pela governação do país. E desde os anos 30 que não estávamos, no mundo, em tempos tão perigosos, em tempos que tanto peçam que se pense, que se aja, que se discuta, com a lucidez toda, completamente acordados! 

"Em casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão". A Europa, onde encostamos a cabeça adormecida, corre o risco de se desagregar ou de se transformar num Império, democrata de nome, como era o de Napoleão, que para aqui mandou tropas (soube que vai haver uma exposição em Santo Tirso sobre a nossa resistência de guerrilha, nesse tempo-- vem a propósito!). O euro pode não resistir aos investimentos europeus a Leste e à necessidade de investimento público em toda a parte.
Nos Estados Unidos o investimento público continua a ser discutido ao cêntimo. Procura-se que seja libertador, em energias alternativas, em investigação, em saúde, em educação. Em Portugal ele é sinónimo de obras públicas, de ajuda a empresas sem futuro com a desculpa de "salvar" empregos, a bancos de grandes fortunas -- tudo às claras, os nossos "representantes" rejeitaram no Parlamento, por exemplo, a lei anti-corrupção de João Cravinho, o qual já nem esteve neste congresso. O sistema ainda está vestido de democracia, usa o nome e as eleições para ser bem aceite: mas as condições económicas deste tempo em que estamos nem nos anos 30, os que trouxeram os fascismos às democracias europeias, têm um equivalente à altura, é possível que perca a farpela e, nessa altura, é melhor continuar a dormir, para não ir preso!