Nos idos anos 80 do século passado, na ressaca da incipiente revolução socialista à portuguesa, já entrados na CEE e a ganhar barriga, os portugueses decidiram oferecer o governo a um professor de Economia, homem sério e com ares de quem evitaria nova visita do FMI.
O professor tratou de retirar da Constituição esse desiderato que não partilhava, o tal "rumo ao socialismo". Feito isso tratou de criar uma classe que lhe parecia imprescindível num país europeu civilizado: a dos financeiros e donos de grandes companhias, sem os quais não haveria criação de riqueza, condição necessária (e suficiente, o professor não duvidava disso) para que, um dia, houvesse a distribuição da dita. Pôs à venda os bancos, nacionalizados no PREC, que foram privatizados com a mesma intenção com que tinham sido nacionalizados: tornar o crédito mais barato; "de boas intenções está o inferno cheio".
Dir-se-ia que o professor era um neo-liberal, admirador da sra.Thatcher. Mas, com o resultado das vendas (a que se juntou um liberal endividamento), o professor tratou de fazer obras públicas, porque continuava a ser neo-keynesiano e não tinha dúvidas de que as duas doutrinas económicas que se opunham ao socialismo fossem compatíveis; quanto mais depressa nos libertássemos do socialismo, melhor.
Fez o CCB, obra do Gregotti, um belíssimo arquitecto, não sou dos que criticam os luxos. Já a lindíssima ponte Vasco da Gama não tem desculpa: escolheu a parte mais larga do rio (a que daria mais lucro às cimenteiras) e levou o trânsito para uma área ecologicamente protegida, na outra banda, uma área a urbanizar no futuro: um keynesiano acredita nas obras públicas, foi ele quem insistiu para que não fosse em Chelas, onde o rio é mais estreito, como pediam os ecologistas. Assim dava às futuras obras da EXPO um incentivo e deixava a ponte de Chelas para mais tarde... de facto as obras nunca mais pararam, os governos PS seguiram o "liberalismo keynesiano", o qual criou uma alta finança portuguesa e uma alta dívida portuguesa (também criou uma altíssima corrupção, mas isso não se vê!). Para fazer a ponte o professor introduziu em Portugal o conceito de parceria público-privada, uma maneira de dar aos privados um belíssimo negócio e ao Estado uma factura de pesadelo adiada.
Mas fez coisas úteis, a auto-estrada Porto-Lisboa, por exemplo...só que não foi o Estado quem a fez, foi o grupo Mellos, o qual fez um belo negócio e um que nos explorará para sempre, nas portagens...Porque não a fez? Porque não usou empréstimos para isso? Estariam pagos, hoje, e várias vezes; já não teríamos portagens... -- O professor foi liberal, queria o mínimo de Estado, os privados a ter as iniciativas, e foi keynesiano, queria o Estado a manipular a economia: ofereceu um monopólio a um grupo económico forte, como esse, porque não tinha dúvidas de que o liberalismo precisa deles e de que precisamos do liberalismo; logo, de que o Estado os deve ajudar.
Nestes últimos anos, enquanto supremo magistrado da Nação, responsável pela fiscalização do governo, assistiu à apoteose do liberalismo keynesiano: o serviço da dívida (sem contar a das empresas públicas nem a das Câmaras nem a das empresas privadas) é, em 2011, de 46 mil milhões de euros (assim uma dezena de TGVs), dinheiro que teremos que pedir emprestado e que se vai somar aos 500 mil milhões que já devemos.
Que o professor não tivesse dúvidas sobre o fantasista caminho liberal / keynesiano que escolheu, compreende-se, foi ele quem disse "Nunca tenho dúvidas e raramente me engano". Já o que me custa a entender é que, durante vinte e tal anos, nunca se tenha interrogado se o caminho em que nos lançou não teria sido um dos seus raros enganos... --Ah!: mas interrogar-se seria duvidar, e isso de duvidar é connosco, que não percebemos nada de finanças! Nós até duvidamos de que uma segunda volta nas eleições presidenciais seja ruinoso para o país, como o professor sentenciou... Alguns de nós são tão burros que pensam mesmo que isso seria um dos melhores investimentos públicos das últimas décadas!
Felizmente não pensamos todos assim: a maior parte de nós acredita que, mais dia menos dia, vem aí a distribuição de riqueza que o professor nos prometeu há vinte e tal anos, o resultado natural da sua imensa sabedoria económica.
Tenho uma teoria para explicar o alheamento dos números que caracteriza os portugueses e permite ao governo dizer que afinal faltavam uns biliões que ainda se nao sabe em que foram gastos: no tempo da Inquisição podia-se ser torturado por uma suspeita de ser judeu; daí ninguém se atrever a dar sinais de saber fazer contas, coisa judaizante: "eu sou muito cristão, sou burrinho de todo!" e isso ficou na nossa cultura.
ResponderEliminarTenho que dar uma na ferradura: um judeu, no leito da morte, chama o filho: este relógio foi do meu avô, depois do meu Pai -- queres comprá-lo?
Na nossa constituição ainda lá está o Socialismo: "...assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno...."
ResponderEliminarSeja lá o que isso for!
O grande problema do Professor (e aliás de tantos outros políticos) é mascarar-se de homem sério... mentem-nos todos desgraçadamente!
Obrigado pelo comentário esclarecedor. Então o professor não nos conseguiu desviar do rumo... Mas sei que tentou!
ResponderEliminarA tal sociedade fraterna que é nosso destino inclui o professor e todos os que acreditam nele, claro! Só me parece que ele nos não deve liderar porque nos leva por um caminho muito pedregoso, não é preciso procurar as dificuldades, nem todos somos Rambos!
Mas lá chegaremos! E, quando chegarmos, saberemos que chegámos!
Abraço
Tem muita razão! Nem todos conseguimos acompanhar o professor. Eu, por exemplo, nem sequer sei subir a um coqueiro, quanto mais viver desempregado e com o empréstimo da casa... Mas vou voltar ao meu dia de reflexão!
ResponderEliminarLi com atenção todo este seu texto e gostei. Aliás, tenho gostado de tudo o que o meu amigo tem escrito. E este não fugiu à regra. Mas deixe-me dizer-lhe que me surpreendeu pela positiva pois eu estava a ver que não ia referir o que este professor que refere afirmou na sua qualidade de professor. Sim, na sua qualidade de professor, é bom que se sublinhe. Que se aceite ou não, a qualquer cidadão, que diga que nunca tem dúvidas e que raramente se engana, vá que não vá. É lá com ele. Agora a um professor? Por amor de Deus... Antigamente, no tempo dos bons professores, era corrente ouvi-los dizer que era mau sinal o aluno não ter dúvidas. Logo...Neste período de reflexão, a leitura deste seu post em nada alterou aquilo que eu já tinha decidido. Fico bem com a minha consciência. Fique bem. Cumprimentos.
ResponderEliminarObrigado Francisco. Os liberais defendem menos Estado e os keynesianos mais Estado, para fazerem os seus investimentos públicos que vão aumentar o poder de compra e fazer a economia crescer. Usar os dinheiros públicos para ajudar as grandes empresas só mesmo quem tem "o rei na barriga", é uma arrogância que chega a ter graça... Se não fosse uma desgraça!
ResponderEliminarAbraço
A sabedoria económica do Cavaco é tão soberana como a nossa dívida. É preciso nascer duas vezes para a ultrapassar!
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