sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A "Orde" é rica!

 Deixei, no título, a expressão "A Ordem é rica" na sua pronúncia popular, pela ambiguidade com "horda": a percentagem da população que habitava os conventos, no século XVIII, era, para alguns, de 80%!
Imaginemos o mundo da era anterior à nossa, há mais de 250 anos: não havia sociedades por acções, não havia hedge funds, nada do que caracteriza o capitalismo contemporâneo. A corte era rica, o Rei ficava com 1/5 de todos os minérios brasileiros, havia algumas pessoas que tinham trazido dinheiro do Brasil mas, fundamentalmente, no país anterior à revolução industrial, que tinha expulso os portugueses mais dados ao comércio (os quais, por exemplo, feitos holandeses, criaram a cidade de Nova York mas que, cá, teriam tido que aturar a Inquisição), a maior fonte de riqueza era o trabalho dos agricultores, os frutos da terra. E as terras férteis pertenciam sobretudo às Ordens religiosas, que as conservavam desde os primórdios, ao contrário da nobreza, pouco dada a bem gerir o seu património.
O Abade de Santo Tirso era um dos homens mais ricos do país. Ficou célebre D. Miguel da Silva, que se incompatiblizou com D. João III, creio que por não concordar com a Inquisição, e, mesmo assim, foi feito cardeal em Roma, para onde tinha sido forçado a emigrar. Foi ele que trouxe um arquitecto italiano para as suas obras na Foz do Douro, região que pertencia às terras do Mosteiro de Santo Tirso.
As obras beneditinas nunca mais pararam: o estilo "moderno", o barroco, foi usado para substituir os mosteiros anteriores, por todos os lados. A Ordem era, de facto, rica! Muitos de nós gostariam de conhecer o mosteiro renascentista de Santo Tirso, provavelmente um exemplo da chamada "arquitectura chã", tão do gosto dos modernistas da "Escola do Porto", que ainda pontificam na Faculdade de Arquitectura: impossível! Esse mosteiro sucumbiu à moda do barroco, foi arrasado para dar lugar ao actual.
Creio que vem daí, desses gastos sumptuosos do século XVIII, a expressão que ficou em Santo Tirso, quando se vê alguém gastar sem cuidado, fazer gastos inúteis: “a Ordem é rica e os frades são poucos!”.

Estamos de novo no fim de uma era. Qual é a estrutura que tem tido mundos e fundos e corresponde, na actualidade, aos mosteiros do século XVIII, até pelo número de pessoas que dela dependem?
Para responder vou contar uma história que se passou com uma pessoa minha conhecida, que anda a montar uma clínica privada e precisa de material médico e de móveis: calhou-lhe ver o depósito de lixo do Hospital onde trabalha e não caía em si ao ver material novo, de toda a espécie. Perguntou ao funcionário, cuja missão é velar pelo lixo, qual o caminho burocrático para comprar algumas secretárias, cadeiras, etc.
A resposta foi que é impossível. Porquê? --É assim! --E porque é que este material foi substituído? --De 3 em 3 anos o material é todo substituído, "é assim"! --O meu computador tem mais que 3 anos mas isso até compreendo... mas as cadeiras? --"É assim"! --E para onde é que isto vai? --Para o lixo; entretanto a minha responsabilidade consiste em assegurar que nada falte aqui, no lixo.
Para onde irá, dali, tanto "lixo"? Ninguém se atreve, sequer, a perguntar tal coisa à burocracia, muito menos os burocratas: "é assim"!
"A ordem é rica"! No século XVIII os lavradores sobre-explorados ainda mais extorquidos foram; a solução era ir para frade, terrível para quem gostasse de criar coisas palpáveis; tal como tem sido, entre nós, ir para funcionário público, terrível para quem não suportar as finalidades inúteis da burocracia.

Foi assim enquanto durou o ouro do Brasil, "é assim" enquanto durar a possibilidade de aumentar a dívida portuguesa. Mas estes são tempos de mudança, análogos aos que se seguiram ao terramoto de Lisboa!
Mudança para melhor! Imagino o que serão todas as empresas públicas, cada uma com o seu "depósito de lixo"-- elas são inúmeras!; os seus gastos (para benefício das empresas "amigas") devem ser incalculáveis: "A ordem é rica", não faz contas. "Ele" há de haver quem pague!

A exploração do indígena tem, porém, um limite: no passado veio com a difusão das "luzes", com os jornais. No nosso tempo... "google" a informação, ela existe!

Nota de 3 de Setembro de 2011: 
Isto foi escrito para criticar a leviandade com que Hospitais, Câmaras e todo o tipo de Empresas Públicas tratam os recursos de que dispõem. "Irresponsabilidade", "infantilidade", "falta de bom senso", "espírito burocrata", são termos quiçá benignos para o que alguns chamam desonestidade. Não inventei a história que contei: passou-se assim!
Mas o texto, que não modifiquei, foi escrito com essa mesma leviandade: deixa o leitor pensar que a Igreja Matriz seja barroca, quando esta "Igreja nova", como foi chamada na época, é obra de Frei João Turriano, no século XVII, e pode ser chamada de arquitectura chã, pela sua planta de "igreja salão". É claro que, posteriormente, recebeu a talha dourada barroca que os beneditinos tanto incrementaram, assim como a fachada da "Porta branca", também barroca, obra de André Soares Ribeiro da Silva, um «curioso de Architectura», como se autodesignava, no século XVIII. O Mosteiro propriamente dito é barroco, a entrada do actual museu Abade Pedrosa é um exemplo de barroco bracarense. E eu gostaria de conhecer o edifício anterior a esse, o qual existiria não fora "a Ordem ser rica"! 

4 comentários:

  1. Caro José António Miranda,
    obrigada por partilhar esta história dessa pessoa sua amiga que evidentemente tem que ser mantida no anonimato sob pena de ser alvo de processo disciplinar.... mas alguém tem que divulgar o que se passa em todos os organismos e instituições do estado e a blogosfera é um bom começo! espero que chegue aos ouvidos de um jornalista suficientemente corajoso para investigar e inventariar os arquivos do "lixo" de todos os departamentos da nossa Casa, perdão Estado. Parabéns!

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  2. Soube esta história por acaso, creio que pouca gente sabe desses depósitos temporários de "lixo"!
    Há, entre nós, um déficit de opinião pública esclarecida, portanto, um déficit de jornalismo de investigação. Some-se a isso o medo da burocracia e do poder do Estado em geral (que tem boas razões para existir!), junte-se a desinformação, as distracções que a informação fornerce (o país todo a seguir um concurso de gastronomia), as horas de televisão dedicadas à filosofia do futebol e...
    --é fartar, vilanagem!

    Sabe que a Suécia não tem déficit nem dívida? Quanto tempo gastam as televisões a convencer-nos que, para termos serviços sociais, temos que criar dívida?
    E quanto tempo a explicar o dinheiro que vai, do Estado, em complexos benefícios, para o sector privado? --Nisso não falam!
    De facto, parece que cabe um papel aos blogs-- só lamento não ser jornalista;-)

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  3. Não fora esta explicação, o seu artigo parecia um ataque ao anterior governo. Acredita neste?

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  4. PS e PSD são as duas faces da mesma moeda viciada. Gastam o dinheiro dos portugueses (e hipotecam o seu futuro) a convencê-los de que não há alternativas. Em vez de acabar com desperdícios deste género, o actual governo procura dinheiro para os manter.

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