Para quem tem esperança que os portugueses ("a minha Pátria é a língua portuguesa") sejam os catalisadores da revolução global já em curso, que sejam lusófonos os descobridores da estrutura social da revolução informática, a conferência de ontem, em São Martinho do Campo, foi uma desilusão.
Estavam lá imagens de um PowerPoint, projectadas, oblíquamente, num ecrã; estavam estudantes (de jornalismo, creio) a filmar o "evento", como ora se diz, com câmaras digitais; estava a forma do nosso século mas mal vislumbrei o seu espírito, que, para a minha convicção, é democrata.
O que vi foi a, ainda vigente, resignação perante o actual sistema de governo representativo a que se chama, impropriamente, "democracia"; o que vi foi resignação perante a oligarquia muito visível, muito real, em que vivemos.
Pessoas sãs, honestas, democratas, mas que, perante as dificuldades financeiras da imprensa local, que são idênticas às da nacional e às da internacional, apenas imaginam soluções que convêm à oligarquia, como subsídios, melhor marketing da publicidade, legislação mais favorável. O "Entre-Margens", esplêndida publicação que tem sobrevivido à custa do esforço de uma cooperativa de gente generosa, está em risco de sobrevivência e a Entidade Reguladora Para a Comunicação Social (ERC) entretém-se a aumentar esse risco multando-o pelo singelo crime de cumprir o seu dever de publicar as mais diversas opiniões.
Sou do tempo em que os jornais traziam uma pequena "caixa", na primeira página, onde se lia: "Este jornal foi visado pela Comissão de Censura". Acontece que a existência dessa Comissão era suficiente para que os jornais nada dissessem que pudesse pôr em risco a sua aceitação pelo poder. Apareceu mesmo uma arte de dizer coisas incómodas para o poder sem que este se apercebesse.
O risco de levar com uma multa da ERC faz-me pensar que os jornais estejam perto de pedir à ERC uma censura prévia -- é fácil, por e-mail -- , a qual apareceria em caixa ("Este jornal foi visado pela ERC") e teria efeito dissuasor sobre os incomodados políticos que a ela recorrem para amordaçar os jornais.
Não há liberdade se expressão se houver medo de falar ou escrever o que se pensa. Claro que quem se sentir ofendido tem a mesma liberdade de refutar, com argumentos, o que foi dito, no mesmo sítio do jornal; e, se os seus argumentos derem azo a contra-argumentação, melhor para o jornal, melhor para a procura da verdade, sobre o assunto em causa. A verdade vem sempre ao de cima! -- Vem, se as pessoas conseguirem exprimir-se em liberdade. E se, por acaso, usarem palavras impróprias para um argumento, "caralhadas", é o argumento que sofre, já que a expressão emocional em nada ajuda a descoberta da verdade sobre o assunto; naturalmente, o articulista procurará ser objectivo, pois, se o não for, a posição que defende perderá credibilidade.
Não! Não consigo entender a "necessidade" da censura; insultos não são argumentos; se tratarmos os leitores com respeito eles não se comportarão como crianças. Deixemo-los julgar por si mesmos, este respeito está no cerne da democracia.
É bem possível que, se um jornal se permitir a si mesmo a incondicional liberdade de escrever o que pensa e se a permitir aos seus leitores, publicando-lhes os comentários, ele seja mais lido e, consequentemente, mais comprado, mais viável economicamente.
Só os leitores podem salvar um jornal decente da bancarrota. E, num mundo em que os jornais decentes são submersos por carradas de jornais e publicações subsidiadas, cujas opiniões não valem a ponta de um c* (vê, leitor, é possível a liberdade de expressão, com estes artifícios simples -- neste caso eu queria exprimir uma emoção, a emoção que sinto, desde menino, contra a censura), neste mundo de "informação" comprada, em que é preciso procurar afanosamente a informação válida, no meio do lixo, um jornal livre terá, eventualmente, leitores. E fará um serviço cívico.
Só esses leitores poderão pagar o trabalho jornalístico de procurar a informação. Se não forem eles, nem sequer haverá informação, haverá marketing!
"Ter opiniões é a melhor prova da incapacidade de as ter". (Fernando Pessoa)
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