quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Uma doença perigosa

Todos nos cruzamos quotidianamente com doentes mentais sem os diagnosticar, todos somos, em parte, doentes, a saúde perfeita é um conceito abstracto, não existe. O que interessa é procurar caminhar no sentido da saúde, definida pela O.M.S. como sendo “o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de enfermidade ou invalidez”, e evitar caminhar no sentido da doença.
No caso da saúde mental, é fácil perdermos o pé da realidade e cairmos num delírio, sobretudo se a realidade for dura e todos à nossa volta nele viverem; e se esse delírio for sistematizado e for partilhado por muitos, então todos vivem "felizes" até ao dia em que a realidade se imponha. Por isso épocas como esta são necessárias, abençoadas, são épocas em que podemos “cair na real” (ou num novo delírio, claro!). Um exemplo extremo foi a Alemanha hitleriana, nascida de uma pobreza também ela extrema: se um cidadão não alinhasse no delírio sistematizado de que a raça “ariana” tinha obrigação de dominar as outras todas, então os delirantes iam-lhe tirando bens, emprego, casa e podia chegar a um campo de extremíneo; alinhar com o delírio era instinto de sobrevivência. Mas o delírio de milhões não deixa de ser delírio por serem milhões os delirantes.
Um exemplo quotidiano, banal, é a burocracia. É muito fácil a um funcionário, naturalmente preocupado com o seu lugar na carreira, tomar os papéis que preenche por trabalho útil, até indispensável à função que exerce. No seu delírio, imagina mesmo que os papéis espelham a realidade e consegue contagiar outros para a sua convicção. Lembro-me de um médico a comer laranjas em frente a um hospital do interior – há que anos! – dizendo que já tinha trabalhado muito, tinha comido cinco laranjas! Estava a brincar com um colega burocrata que costumava dizer “já dei cinco altas hoje”; esse deixava os doentes com a terapêutica com que entravam pela Urgência e depois preenchia e assinava a alta: imaginava ter trabalhado muito.
Ou imagino o processo completo, volumoso, do licenciamento daquele prédio ora destruído, “sito” numa linha de água: a imponência do volume e das assinaturas decerto ofuscava a evidência de que não deveria ser construído – e contagiou os pobres cidadãos que acreditaram nele e nele investiram capital e esforço.
Este é um tempo em que, quem quiser, pode ver a realidade. Aproveitemos! Os professores do secundário descobriram que não andavam a ensinar mas a alimentar o delírio da sua burocracia. A esta nada interessa o que aprendam, de facto, os alunos, que é a função da escola; interessam os papéis que se referem a isso, o que é bem diferente! Há, por exemplo, um curso para professores destinado a ensinar-lhes como se pode avaliar positivamente um exame em que o aluno mostrar total ignorância!
O paradoxo de tomar os números, as estatísticas, pela realidade é impressionante. A subversão da matemática, ciência exacta, posta ao serviço dos delírios, a “força” dos números usada para alienar, assusta. Como assustam as listas dos dinheiros gastos pelos poderes públicos, que os apresentam, vaidosos, sinceramente convencidos de que eles medem a enorme utilidade pública dos seus serviços. Que lhes interessa se interessava fazer aquilo, se havia outras prioridades, se era possível fazer mais barato? O que interessa aos poderosos delirantes é que se gastou muito, os números provam-no!
Mas este, repito, é um ano propício a pôr os pés no chão, a recuperar a saúde mental.
Evitemos cair no delírio de culpar a democracia, de propor a censura e o medo: eram e são democracias as sociedades mais prósperas e interessantes da História.

7 comentários:

  1. A minha condição de terráque não pode deixar de se sentir aconchegada ao ler tão sensatas palavras. Cair na real, pôr os pés no chão ou outra coisa qualquer desde que signifique centrarmo-nos no essencial: não estamos em tempo de gastos supérfulos. Precisamos mais do que nunca de usar a inteligência. E isso é bom, não é?

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  2. É, mas mudar os hábitos custa sempre um bocado! Habituámo-nos (e aos políticos) a deixá-los "pensar" por nós.
    É bom saber que há quem goste de cair na real! Obrigado.

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  3. Indústria da construção civil, a que manda no Governo6 de fevereiro de 2009 às 14:01

    *Ganda SÓCRATES. És o MAIOR!
    O novo estádio da cidade de Al-Kahder, nos arredores de Belém, na Cisjordânia, cuja construção foi financiada por Portugal, através do Instituto Português de Cooperação para o Desenvolvimento, vai ser inaugurado na próxima segunda-feira.
    O recinto custou dois milhões de dólares, tem capacidade para seis mil espectadores, é certificado pela FIFA e dispõe de piso sintético e
    iluminação.
    A cerimónia de inauguração abrirá com uma marcha de escuteiros locais, conduzindo as bandeiras de Portugal e da Palestina, e a execução dos respectivos hinos nacionais.
    Já fechámos urgências, maternidades, centros de saúde e escolas primárias, mas oferecemos um estádio à Palestina.
    Devíamos fechar o Hospital de Santa Maria e oferecer um pavilhão multiusos ao Afeganistão.
    A seguir fechávamos a cidade universitária e oferecíamos um complexo olímpico (também com estádio) à Somália e, por último. fechávamos a Assembleia da República e oferecíamos os nossos políticos aos crocodilos do Nilo (*).
    *DIVULGUEM PARA SABEREM O QUE FAZ O GOVERNO COM OS
    NOSSOS IMPOSTOS *

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  4. "Continuaindes", a ser levados LOL
    http://www.youtube.com/watch?v=3sXr37z-snI&feature=related

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  5. Acho bem que Portugal ajude a Palestina. Dois milhões de dólares são apenas 1,5 milhões de euros, quantia que qualquer município gasta sem pensar muito (mas seria mais democrático fazer uma subscrição pública em vez de decidir por nós como gastamos o que é nosso!). E, claro, foi uma escolha a favor da indústria dominante, a que lucra! Poderíamos fazer um Instituto Camões, mandar arqueólogos para essa terra esburacada e com tanta preciosidade, ajudar outra indústria qualquer...e, se só sabem ajudar a indústria da construção civil, poderíamos oferecer um Hospital e entregá-lo à AMI, por exemplo. Claro, isso não teria o mesmo impacto no espectáculo das inaugurações ;-)

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  6. Vejam a mais recente falta de respeito do Eng. Castro Fernandes para com os tirsenses!

    http://santotirsonaoecuba.blogspot.com/

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  7. "evitar cair no delírio de propor a censura e o medo"
    Cair?? Já lá estáindes! Blogues sem comentários são propaganda à moda antiga LOOOL

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