terça-feira, 22 de junho de 2010

Caído no chão.

 A escrita de José Saramago contém uma lição para nós todos, o povo português: todos temos acesso às bibliotecas públicas, hoje todos temos acesso à Wikipédia, todos poderíamos ser mais cultos e mais instruídos.
É claro que é um privilégio nascer numa família culta mas os pais ou os avós dessas famílias foram gente sem esse privilégio, esforçaram-se, como Saramago.
Ninguém nos força a seguir os bons exemplos, como este, mas uma coisa é certa: somos responsáveis pelo nosso destino e pelo destino do nosso país.
Se os miúdos que querem aprender não souberem convencer os outros a estar, pelo menos, calados; se os trabalhadores que querem melhores salários não convencerem os colegas a sindicalizar-se (incluindo os colegas desempregados); se continuarmos a premiar com os votos os que gastam mais em "despesas correntes" que em benefícios reais para a população; se continuarmos a fingir que acreditamos que a responsabilidade pela situação de Portugal não é nossa.. se não nos tornarmos mais conscientes, o país não vai melhorar sózinho.


E é apenas justo lembrar que, "não desfazendo" nos méritos da família de Saramago nem nos do país em que nasceu, a família política do nosso Nobel da literatura foi a terra que alimentou a planta Saramago para que desse fruto (1). Fruto que caíu agora na terra e gosto de pensar que essa terra somos nós, os seus leitores, e que saberemos fazer medrar essa semente até ela dar frutos, daqui a umas dezenas de anos!
(1) O PCP, além do mérito de ter lutado para que, hoje, tenhamos democracia, teve o mérito de levar cultura a gente que a ela não teria tido acesso; foi, na clandestinidade, talvez a força cultural mais importante em Portugal.

Será preciso dizer, em letras mais pequenas, que este que escreve apenas apreciou realmente "O ano da Morte de Ricardo Reis" e não se entusiama com o barroquismo da escrita mas com o que ela diz. E também que o mesmo nunca pertenceu nem pensa vir a pertencer ao partido comunista por ser um burguês (vagamente instruído, como todos são!) visceralmente contrário a qualquer forma de violência (embora caia, por vezes, lamentavelmente, na violência verbal!). Só quando o partido comunista fizer a crítica de Stálin (esboçada por Cunhal) e se demarcar do conceito leninista de que há situações que justificam a violência poderá ter o apoio dos burgueses vagamente instruídos e apoiantes da democracia. O caminho, nesta nova era que começou, poderá já não ser o da Razão mas será o da difícil aliança entre a Razão e a Emoção: o coração. E, para o coração, o sofrimento dos homens e mulheres livres às mãos da burocracia salazarista é idêntico ao sofrimento deles às mãos da burocracia estalinista.
Dito isto, temos sido injustos com os comunistas portugueses, que sempre se comportaram dentro da Constituição e nunca foram violentos. Mas, para Lénin, os fins justificavam os meios; e, como soi dizer-se: "diz-me com quem andas e dir-te-ei quem tu és", além de não ser violento é preciso defender a ideia da não violência.  Assim como para ser a favor dos direitos humanos não basta defender essas ideias, é preciso praticá-las.

2 comentários:

  1. A utopia é necessária, mesmo que inatingível!22 de junho de 2010 às 16:06

    Essa, redutora e simplista, alegoria Estalinista que justifica a vulgar renúncia dos portugueses ao Partido Comunista do seu próprio país, merecia uma meditação mais cuidada… Se é para simplificar, poder-se-ia dizer que é intrínseca e, como tal, injustificável…

    Diz o Bispo do Porto que "a pobreza toca a todos":

    http://noticias.sapo.pt/info/artigo/1073878.html

    A verdade é que, apesar da crise, há mais ricos no mundo e as suas fortunas também aumentaram:

    http://economico.sapo.pt/noticias/ha-mais-ricos-no-mundo_92666.html

    A pergunta que se impõem, portanto, não deverá ser “será que há dinheiro?” mas sim “onde está o dinheiro?”.

    Seriamente, poderíamos até dizer que Jesus Cristo terá sido o primeiro comunista conhecido. As suas ideias de partilha e de recusa do luxo e da ostentação sempre incomodaram muita gente. Por elas foi perseguido e, verdadeiramente, por elas foi crucificado…

    Eventualmente, a decadência deste nosso modo de vida ocidental fará, um dia, “acordar” muitos portugueses que perceberão, de uma vez por todas, que o Partido Comunista PORTUGUÊS não manda comer as criancinhas ao pequeno-almoço!

    Perceberão, também, que o seu secretário-geral, o camarada Jerónimo, tal como os seus antecessores, é, assumidamente, um democrata, como democratas são e foram esses muitos outros comunistas anónimos que, durante décadas, lutaram abnegadamente contra a ditadura, contra a censura e pela democracia em que vivemos desde 25 de Abril de 1974.

    Por outro lado, o partido mais votado nas últimas legislativas e legítimo governante deste nosso Portugal, tornou-se um covil de lobos com pele de cordeiro, que serve de disfarce para falsos socialistas, que vive da “forma” em detrimento do “conteúdo” e, por isso, precisa da propaganda mediática e da censura como elementos essenciais da sua subsistência no poder. Precisa de continuar a parecer ser o que já não é!

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  2. Muito obrigado por comentar; são os comentários o "ar que o blog respira" e a falta deles a este tão importante assunto da desigualdade de rendimentos na nossa sociedade (os últimos 3 posts) deixou-me "com falta de ar"!
    Li os artigos tão actuais que indicou e, se leu algo deste blog, sabe que concordo com o que diz no comentário. Nunca alinhei na conversa recorrente da direita a aconselhar o PC a reformar-se, preocupo-me por respeitar os outros... Eis que, pela primeira vez (talvez por ter lido a entrevista a Carlos Brito), fiz isso! É que acho que Portugal precisa do PC e o medo da ditadura estalinista é o que leva as pessoas a não lhe darem votos. Assim como precisa da Democracia Cristã e o medo da ditadura salazarista até levou Freitas do Amaral a perder o partido para uma coisa populista que não sei o que é.
    Há criticos que pretendem que o PC se reforme para o neutralizar e outros para que seja mais votado.
    Gostaria que me falasse dessa "alegoria estalinista" porque não percebi o que é: conhecemos Stálin das fotografias onde faltam personagens; a democracia soviética caíu na tirania como acontece a todas as democracias, se não tomam medidas.
    Como pode acontecer à nossa! Os portugueses querem uma democracia "à sueca", vê-se bem pelos votos nos partidos sociais democratas, os quais só se aproximam da Suécia no nível de impostos e não se vê uma redistribuição de rendimentos, os impostos, aparentemente, vão para as chorudas reformas dos políticos --legais!, leis que eles mesmos vão fazendo.

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