domingo, 13 de junho de 2010

  Faz hoje 779 anos que morreu, em Itália, um dos mais ilustres portugueses de todos os tempos, Fernando de Bulhões, filho de Martim de Bulhões e de Maria Teresa Taveira Azevedo. Era uma família de posses, que morava perto da Sé de Lisboa, e Fernando teve acesso ao ensino superior do tempo, tendo chegado a Doutor da Igreja e, com o seu nome religioso, António, ao título de Santo, onze meses depois da sua morte.
Paradoxalmente, as ideias que Santo António defendia e que levaram S. Francisco a convidá-lo para o seu Capítulo eram as da Igualdade. Com essas ideias os franciscanos salvaram a estrutura da Igreja romana dos fanatismos que a ameaçavam e que ela mesma tinha criado quando permitiu privilégios materiais exagerados aos seus membros.
Padroeiro dos pobres, Santo António não tem apenas o carinho dos portugueses e dos brasileiros mas de todo o mundo, que sabe, intuitivamente, que nos convém viver sem grandes desigualdades de rendimentos materiais. A novidade é que, hoje, a intuição antiga de que isso convém a todos, até aos mais ricos, é um conhecimento científico; é aquilo que, hoje, valorizamos como a verdade. Todos os indicadores sociais de felicidade estão directamente relacionados com o nível de igualdade que o país atingiu, desde os de saúde até aos de criminalidade, desde o grau de instrução até ao número de presos, da longevidade à taxa de homicídios, todos os parâmetros sociais que interessam ao nosso viver em colectividade.


Se pregasse hoje, Santo António teria à sua disposição estes dados para fazer uma apresentação científica a que os poderes democráticos se teriam que render, da mesma forma que o papa, o poder do tempo dele, se tinha rendido aos argumentos de S. Francisco.


Nas sociedades desiguais, como a nossa, as pessoas esforçam-se por não escorregar no plano inclinado das hierarquias sociais, gastam o que ganham a comprar roupa cara ou outras coisas que lhes dêem "status" e, fundamentalmente, confiam menos umas nas outras que nas sociedades mais igualitárias. Que esta palavra (igualitária) não assuste os anti-comunistas primários porque a existência da "nomenklatura" russa (antes do capitalismo) tirou a essas sociedades auto-intituladas de socialistas as vantagens da igualdade (porém é apenas justo lembrar que todos os parâmetros sociais, a começar pela saúde pública, pioraram imenso, nessas sociedades, com a conversão ao capitalismo; incluindo, paradoxalmente, o grau de liberdade da maioria da população).


Se a igualdade aparece como uma panaceia, se mesmo os mais ricos vivem melhor no Japão que nos EUA (os dois extremos), porque é que os povos, a opinião pública, os políticos se não esforçam por a criar e, em vez disso, reproduzem a desigualdade?


Suspeito que, para além da ignorância, o fenómeno seja explicável pelas mesmas razões porque um fumador bem informado continua a fumar: estamos viciados em desigualdade!


Santo António! Olha por nós, ilumina os nossos pobres políticos, os seus motoristas e os seus bolinhos de bacalhau, os seus discursos em "cerimónias" para as quais o povo não é convidado! Salva a nossa democracia, Santo António!


Junto aqui a tradução de um dos "slides" mencionados, uma citação de Gilligan J. ,"Violência: A Nossa Epidemia Mortal e as suas Causas" G.P.Putman, 1996 (em inglês):
" ...os presos com quem trabalho disseram-me, repetidamente, quando lhes perguntava porque tinham agredido alguém, que tinha sido porque "me faltou ao respeito" ou porque "faltou ao respeito à minha visita (significando "visitante"). A palavra "desrespeito" é central no vocabulário, no sistema de valores morais e na dinâmicas psíquicas destes homens cronicamente violentos de tal forma que a abreviaram numa forma de calão: "he dis'ed me"(desrespeitou-me, faltou-me ao respeito) . pg 106
Umas páginas depois Gilligan continua:-
"Ainda estou para ver um acto de violência sério que não tenha sido provocado pela experiência de se sentir envergonhado e humilhado, desrespeitado e ridicularizado e que não tenha representado uma tentativa de prevenir ou desfazer esta "perda de face"--sem ligar à gravidade da punição, mesmo que incluia a morte". p 110

Sabemos hoje que as sociedades paleolíticas eram muito igualitárias, os nossos antepassados caçadores / recolectores faziam ofertas mútuas e procuravam ser bem vistos na comunidade por serem simpáticos e não por serem fortes. Até há pouco não sabíamos que partilhávamos com os bonobos (F. B. de Waale F. Lanting, The Bonobo: The Forgoten Ape. Berkeley:University of California Press, 1997) uma secção de ADN importante na regulação dos comportamentos sociais, sexuais e parentais e que é diferente nos chimpanzés. Ou seja, a maior parte do tempo como espécie, até à descoberta da agricultura, coisa muito recente, andámos a "fazer amor e não a guerra". Guardámos desse tempo uma memória colectiva em várias civilizações: o paraíso perdido.
Talvez estejamos muito perto de o reencontrar, passados os calvários do desenvolvimento e da "conquista da natureza", talvez estejamos perto de uma relação amigável com a Terra e com os nossos parceiros humanos. Agora munidos de conhecimento científico que não tínhamos no "paraíso", estamos perto de provar da "arvore da ciência do bem e do mal", de ser os herdeiros dos heróis sofredores que nos trouxeram aqui.

2 comentários:

  1. burro que não gosta de palha13 de junho de 2010 às 09:00

    Bastava por o link e dar a referencia do livro, sem duvida importante. O resto é palha. Mas, com palha ou sem ela, quem não quer saber não aprende. Já S. Francisco tinha que pregar aos peixes.

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  2. Foi Santo António quem pregou aos peixes, burro!
    Obrigado por comentar.

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