Já tivémos um tirano carinhoso, que nos dava pensamentos já feitos, de graça. E que nos ajudava, carinhosamente, a não ter outros, que nos distraíssem: Deus, Pátria e Família, o mais só nos viria confundir!
Hoje também temos quem nos diga o que interessa acima de tudo: Auto-estradas, Aeroportos, Comboios de alta velocidade, novas tecnologias, modernidade. Assim nos alivia da responsabilidade de pensar a "coisa pública"... e nos restitue a responsabilidade de fazer poupanças para a reforma, para a saúde, para a educação. Porque só há verbas para as obras: agora aumentam-se os edifícios das escolas, dos cuidados de saúde (embora nem sempre se acerte onde seria preciso aumentar e pouco se invista no seu funcionamento).
Para "Le Corbusier", nos anos 30 do século passado, o betão era o símbolo da modernidade e apareceu uma espécie de religião, com os seus sacerdotes, o "movimento moderno" (é interessante que, nesse tempo, Fernando Pessoa escrevesse o que o fez ser considerado, hoje, o percursor do pós-modernismo). Em 2010, quando o pós-modernismo já vai longe, o sistema económico definha e a Terra anseia pela verdura perdida, a nossa ideologia oficial é ainda o betão.
Ministros, Secretários de Estado, Presidentes da Câmara, deixam-se fotografar quotidianamente em inaugurações de obras ou em lançamentos da primeira pedra (de betão) porque é uma paixão, uma ideologia, o betão sendo o deus, a pátria e a família dos nossos oligarcas, a ele dedicam o seu tempo, é natural.
Por isso me incomoda a injustiça de gente que imagina corrupções quando os milhões anunciados para uma obra excedem largamente o preço que ela poderia custar, com outra gestão: os nossos governantes não olharam a meios porque identificam o bem do país com a modernidade, com as obras públicas. Como dizia o outro: " não discutimos a Pátria, não discutimos...". E por isso me incomoda esta polémica sobre as perguntas que os procuradores não tiveram tempo de fazer ao actual primeiro-ministro, então ministro do ambiente; perguntas inúteis porque sabemos o que ele teria respondido: "o Freeport é a modernidade, é o betão, é infinitamente mais importante que a vida de algumas aves numa reserva natural, empenhei-me em que fosse licenciado e tenho muito orgulho nisso!"
Devemo-nos dar por felizes: a ideologia de Salazar referia-se a uma época 800 anos anterior à dele. A ideologia oficial que temos apenas se refere a uma época 80 anos anterior à nossa.
Temos que passar por estas coisas, é "normal". O Brasil está hoje em franco progresso e, ainda há umas dezenas de anos, tinha um governante que dizia: "Quando cheguei ao poder o Brasil estava à beira do abismo; comecei a governar e o Brasil deu um passo em frente!"
Gostei. Bem escrito. Bem analisado, mas incompleto. Falas-me da ditadura dos ditadores do betão, aldrabões, corruptos. Porém, esqueceste os financeiros, a alta finança que suporta as vigas do betão, também eles vigaristas, assim como os mais GANT's CEOs que aplaudem as obras inacabadas e arrecadam, acumulando chorudas reformas, os dividendos devidos(?).
ResponderEliminarAGUARDO NOVA MENSAGEM SOBRE ESTA ESCUMALHA .
Grande abraço cheio de calor.
Comentário acalorado, sem dúvida!
ResponderEliminarÉ sabido como a indústria da construção civil é a que tem maior peso no PIB. Também é conhecida a promiscuidade entre governantes e certas empresas que fram chamadas de "empresas do regime". Mas o argumento para continuar estes investimentos na construção -- o de que se pretende evitar falências e desemprego -- tem a sua lógica. Já o não haver um plano para, paulatinamente, pôr essas empresas a fazer "regime" e levá-las a adaptar-se à nova realidade, é inquietante. Não conseguindo fazer a terceira auto-estrada para o Porto nem a ponte de Chelas o governo parece que procurou investimentos que não causassem muita agitação na opinião pública o que nos faz duvidar da bondade de tanto investimento nas escolas que têm menos alunos e na saúde onde é no funcionamento que ele mais se justificaria. Quanto aos financeiros, talvez não tenham uma visão tão curta como os governantes--mas certamente que aproveitam, como podem, a situação. O peso da construção na nossa economia é um desequilíbrio que terá consequências desastrosas.
Voçê está-se a opor ao senso comum, que o que quer é que se façam obras, não percebe que haja limites para os dinheiros públicos. Ninguém lhe vai ligar nenhuma!
ResponderEliminarO meu amigo burro já deve ter percebido que há uma diferença fundamental entre o senso comum e o bom senso. Na prática o senso comum está umas décadas atrasado em relação ao bom senso.
ResponderEliminarQuanto mais depressa o senso comum chegar ao bom senso, melhor! Uma pessoa com bom senso prefere ter serviços médicos de graça e de qualidade a tê-los num edifício muito moderno, muito lindo, mas bem pagos e com listas de espera. Uma pessoa que se deixe levar pelo senso comum prefere ter um edifício novo para a junta de freguesia a ter a água e os esgotos mais baratos. O nosso trabalho, amigo burro, é ajudar as pessoas a ver a realidade... sabe que, hoje, o Jornal de Notícias diz, na capa, que só 4% das obras públicas vão a concurso? Ou seja 96% são adjudicadas directamente aos construtores civis amigos, sem problemas.
É, certamente, curioso, que as pessoas aceitem perder regalias sociais e o crescimento da divida publica, a favor da construção desenfreada entregue sem concurso publico. A propaganda deve ser eficaz.
ResponderEliminarEntre nós a indústria de construção civil tem o papel da indústria do armamento nos Estados Unidos da América:
ResponderEliminarhttp://sorisomail.com/email/63379/incriveis-palavras-de-um-soldado-americano.html