segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O cancro da Democracia

As nossas democracias ocidentais estão doentes. Doença degenerativa, doença de tão grave prognóstico que muita gente desiste de a tratar, perde a esperança.
Eu digo, sem os julgar, que os desistentes nunca tiveram apreço por ela e que só os democratas a poderão salvar.
Os sintomas são antigos, as democracias nascem com esse risco. Mas se quisermos um sintoma claro, naquela que tem liderado, mal e bem, as nossas outras, eu não iria até ao assassinato de Kennedy, um acidente, iria à primeira eleição de George Bush, com um número de votos inferior ao do seu adversário, Al Gore.
A doença existe já na própria natureza das democracias modernas, criadas, como se sabe, como instrumento da burguesia industrial para tomar o poder, aliada ao povo, mas as quais, apesar disso, têm sido um instrumento para criar justiça e têm-nos servido bem, não sendo "a verdade" política, coisa que não conhecemos. Desde sempre que o dinheiro compra os votos mas a ideia de democracia sempre conseguiu ir criando regras que neutralizassem esse defeito genético. E, quando o não conseguiu fazer, perdeu o apoio popular, regozijaram os seus adversários, como foi o caso do nosso Estado Novo.
Mas, de há uns anos para cá, lida com um cancerígeno aparentemente letal, que exige um acordar colectivo de proporções nunca vistas nestes seus 250 anos de vida. Como o nosso doente é uma ideia, o seu assassino é uma ideia também. Nasceu dela, do seu natural processo de fazer ideias, ou seja, da ciência (a qual, a seu tempo, mal usada, já criara coisas como Stálin ou a bomba atómica). Esta ideia letal nasceu na Antropologia, ciência apaixonante, que trouxe belos contributos mas que, de tão humana, está mais sujeita ao erro que as outras todas. Ao estudarem as outras culturas e as outras civilizações, os nossos antropólogos depararam-se com outros valores, necessariamente, com outras ideias do que era a Verdade e, muito democraticamente, denunciaram o etnocentrismo, a arrogância da nossa civilização, num tempo em que ela dominava o mundo. Até aqui tudo bem, respeitemos os outros!
O problema começou quando, naturalmente, generosamente, dentro da nossa forma habitual de pensar, trouxeram o peso da Ciência (ajudados pelos físicos) para o campo da filosofia.
Desde sempre a filosofia, que é a procura da Verdade, se interrogou se a dita existia. Faz parte do nosso pensar, a dúvida. As perguntas filosóficas não têm resposta, há muitas possíveis. A ideia de que a Verdade não existe, de que é relativa, é uma ideia atraente para a trágica perplexidade perante o desconhecido que é a nossa condição humana. Mas é perversa, é uma inaceitável desistência; é mortífera.
Sei que faz Sol, enquanto escrevo à sombra, há verdades acessíveis e "decido", porque pertenço a esta Civilização herdeira dos antigos gregos, que as verdades que me não são acessíveis existem também. Essa decisão é essencial para que haja mais conhecimento.
Alguns gregos de Alexandria sabiam que a Terra gira à volta do Sol; esse conhecimento perdeu-se pela força das armas, nesse tempo os cristãos combatiam a Ciência e tinham-nas. Imaginemos Galileu, quando a Ciência recuperou o alento, mil e tal anos depois, diante do adversário que hoje nos ataca, diante do relativismo: "muito bem, sr Galileu, nós respeitamos a sua verdade mas tem que respeitar a nossa!" E esse adversário não precisaria de queimar os livros de Galileu; teria dinheiro para publicar um número absurdo de livros a explicar que a Terra está imóvel e dinheiro para comprar milhares de cientistas a "investigar" dentro desse pressuposto (sem o qual não teriam emprego). As pessoas, diante de uma polémica de sábios, abster-se-iam de se pronunciar, especialmente conhecendo os incómodos que esse pronunciamento lhes traria. A Terra continuaria imóvel por mais uns séculos, se o relativismo tivesse surgido tão cedo!
Hoje os nossos políticos, que se escolheram a si mesmos para nos representar, dizem mentiras como se de opiniões se tratasse e o nosso democrático respeito pela opinião alheia cala a Verdade, coisa relativa, todos têm direito à sua, pensa o senso comum, soterrado sob o peso da ciência do marketing. Chavez veio fazer compras a Portugal; óptimo! O momento, cuidadosamente escolhido, é aquele em que o governo precisa de uma dose de simpatia popular, está a ser forçado a negociar o Orçamento... Estas coincidências resultam de uma "ciência" paga pelos contribuintes, vejam-se os fabulosos ordenados destes assessores, indispensáveis! Assim como nos Concelhos o contribuinte paga a "verdade" que o esmaga: as Câmaras estão em campanha eleitoral permanente, gastam no que dá votos e assim, "relativamente", os nossos eleitos parecem ser o melhor para o Concelho. O senso comum foi levado a pensar que os políticos são todos iguais... E que estes, que foram "democraticamente" eleitos, são o mal menor: e isso basta-lhes, funciona!
O que não está a funcionar é a Democracia, instrumento que se arrisca a morrer, vítima da crença popular de que a Verdade não existe, há verdades; logo, de que nem vale a pena procurá-la, de que só poderá fazer sentido, individualmente, impor a sua. E de que deve ser o caso deste escriba mais a sua verdade, que nada vale, como todas as outras!
--E pur si muove!

16 comentários:

  1. Burro que não gosta de palha25 de outubro de 2010 às 10:13

    Sua palha está cada vez pior: antropologia, filosofia, senhores! Quando basta dizer que somos governados por ladrões, que isso é uma verdade absoluta. E que o pior cego é o que não quer ver. Não tem desculpa filosófica nem antropológica. Se não quer ver, não vê!

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  2. Deveria ser obrigatório votar, assim como acontece no Brasil, por exemplo.

    Nenhum político se sentirá verdadeiramente responsável, enquanto a abstenção for de 45% tal como é a nossa...

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  3. Não concordo. O que sugiro são as listas uninominais mas como poderiam ser criadas por políticos assim escolhidos?

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  4. http://www.patrialatina.com.br/colunas.php?idprog=7cbbc409ec990f19c78c75bd1e06f215&codcolunista=70
    O homem não é isento, escreve no Pravda, mas vale a pena ler!

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  5. Será que o nosso governo lhes vai vender a nossa dívida? A que preço?

    Ou será que vai pedir à UE mais proteccionismo para o nosso tecido empresarial decadente? E será que a Alemanha está interessada nisso?

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  6. A oligarquia chinesa não brinca, se comprar é bem comprado. Não chame "tecido empresarial decadente" a "Os donos de Portugal" (um livro que saíu agora e aconselho), decadentes somos nós, que deixámos umas poucas famílias ter um terço do património português e nos contentamos com o restante!

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  7. Concordo com o burro: a verdade é que somos governados por ladrões que mentem. O problema é: como nos vamos livrar deles?

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  8. Eu diria antes:

    Vamos livrar-nos destes.

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  9. "Desde sempre que o dinheiro compra os votos".-Refere-se a quem ? ao PS .Eu não compreendi.

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  10. Refiro-me ao que se passa em todas as democracias modernas, em todos os países que as têm. Uma ideia política, se não angariar fundos para fazer campanha eleitoral, não existe. A novidade é o marketing, que é caro, e a falta de vergonha em investir na "ciência" de enganar, favorecidas pela convicção de que a verdade não existe.

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  11. Tem razão o Anónimo que diz "Vamos livrar-nos destes".
    Outros virão, idênticos. O PS e o PSD são como o Dupond e o Dupont. Eu diria mesmo mais: são como o Dupont e o Dupond!

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  12. Li o texto e os comentários. Gostei. Está aqui uma reflexão interessante, oportuna e pertinente. E este texto vai ter mais comentários. É que quando se fala de direitos instituídos, é o cabo dos trabalhos... E esta perspectiva do marketing está muito bem vista... Não adianta falar destes políticos nem de nenhuns outros. Só quando houver uma escola de políticos é que se vai ver quem faz furor ou não... Até lá, é aguentar, embora abanando as consciências e fazendo o brainstorming necessário à discussão. Parabéns, meu caro.

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  13. Obrigado, Francisco!
    Vejo que está ciente da magnitude do ajuste que precisa de ser feito nas nossas democracias para que o sejam!

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  14. 5- DIRIGIR-SE AO PÚBLICO COMO SE DE CRIANÇAS SE TRATASSEM

    A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discurso, argumentos, personagens e entoação particularmente infantis, muitas vezes próximos da debilidade mental, como se cada espectador fosse uma criança de idade reduzida ou um deficiente mental. Quanto mais se pretende enganar ao espectador, mais se tende a adoptar um tom infantilizante. Porquê? "Se você se dirigir a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, em razão da sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade, a dar uma resposta ou reacção também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver "Armas silenciosas para guerras tranquilas")".

    6- UTILIZAR MUITO MAIS O ASPECTO EMOCIONAL DO QUE A REFLEXÃO.

    Fazer uso do discurso emocional é uma técnica clássica para causar um curto circuito na análise racional, e pôr fim ao sentido critico dos indivíduos. Além do mais, a utilização do registo emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para incutir ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos...

    7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.

    Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para o seu controle e escravidão. "A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância que paira entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de eliminar (ver 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')".

    8- ESTIMULAR O PÚBLICO A SER COMPLACENTE NA MEDIOCRIDADE.

    Promover no público a ideia de que é moda o facto de se ser estúpido, vulgar e inculto...

    9- REFORÇAR A REVOLTA PELA AUTOCULPABILIDADE.

    Fazer o indivíduo acreditar que é somente ele o culpado pela sua própria desgraça, por causa da insuficiência da sua inteligência, de suas capacidades, ou do seu esforço. Assim, ao invés de revoltar-se contra o sistema económico, o indivíduo autocritica-se e culpabiliza-se, o que gera um estado depressivo, do qual um dos seus efeitosmais comuns, é a inibição da acção. E, sem acção, não há revolução!

    10- CONHECER MELHOR OS INDIVÍDUOS DO QUE ELES MESMOS SE CONHECEM.

    No decorrer dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência têm gerado um crescente afastamento entre os conhecimentos do público e os possuídos e utilizados pelas elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o "sistema" tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele mesmo conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos do que os indivíduos sobre si próprios.

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  15. O linguista americano Noam Chomsky identificou a lista das "10 estratégias de manipulação" através da comunicação social:


    1- A ESTRATÉGIA DA DISTRAÇÃO.

    O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundações de contínuas distrações e de informações insignificantes.

    A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o povo de interessar-se pelos conhecimentos essenciais, na área das ciências, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. "Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à quinta como os outros animais (citação do texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')".

    2- CRIAR PROBLEMAS, DEPOIS OFERECER SOLUÇÕES.

    Este método também é chamado "problema-reacção-solução". Cria-se um problema, uma "situação" prevista para causar certa reacção no público, a fim de que este tenha a percepção que participou nas medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público exija novas leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Ou ainda: criar uma crise económica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

    3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.

    Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, durante anos consecutivos. É dessa maneira que condições socioeconómicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego em massa, salários baixíssimos, tantas mudanças que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas de uma só vez.

    4- A ESTRATÉGIA DO DEFERIDO.

    Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular é a de apresentá-la como sendo "dolorosa e necessária", obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é aplicado imediatamente. Segundo, porque o público - a massa - tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que "tudo irá melhorar amanhã" e que o sacrifício exigido poderá vir a ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para acostumar-se à ideia da mudança e de aceitá-la com resignação quando chegar o momento.

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  16. Ficámos a saber hoje, via Wekyleaks, que o BES emprestou a Chavez dinheiro para fazer compras em Portugal: o marketing político tem, como sabemos, sobretudo desde a publicação de "Os donos de Portugal", interessados para além do governo e que o controlam: as grandes empresas e bancos, o capital financeiro que viveu ligado ao Estado desde o século XIX.
    O Wikileaks contribui para a democracia.

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