terça-feira, 8 de março de 2011

Lealdade

Vem este "post" a propósito de uma notícia de hoje, no jornal: a Direcção Regional de Educação do Centro (DREC) chamou Ernesto Paiva, professor, o qual coordenava, desde 1996, a Equipe de Apoio às Escolas de Coimbra e anunciou-lhe, lealmente, olhos nos olhos (presumo!) que estava demitido daquele cargo. O professor tinha assinado, nessa qualidade, um documento crítico do sistema de avaliação dos professores e a DREC considerou que ele faltara ao "dever de lealdade".
A forma mais simples de aceder ao conceito de lealdade é a partir do seu contrário: a traição. Imaginemos um rei medieval que parte em guerra contra um poderoso conde e imaginemos que um dos seus nobres lhe diz -- lealmente -- que não concorda com essa guerra, que o não vai ajudar. Imaginemos ainda que o rei tem, nas mãos, o poder de o mandar matar por traição, por deslealdade. Não o mataria, se fosse leal à sua condição de rei, não precisaria de aceder, como fiz aqui, ao conceito contemporâneo de lealdade, onde encontraria
   s.f. Franqueza; sinceridade. Retidão; probidade.
sendo que probidade quer dizer  
   Retidão ou integridade de caráter; honestidade; pundonor, honradez.
Decerto agradeceria ao seu leal servidor a franqueza de lhe ter exposto a sua opinião. Desleal seria quem pela frente concordasse com ele e, dissimuladamente, o traísse.
A lealdade, que nas sociedades hierarquizadas pode ser vista em relação ao seu senhor, nas sociedades democráticas pode ser vista em relação a princípios: leal à verdade, leal à liberdade, leal à democracia...
No caso concreto, o funcionário estava a ser leal à eficácia e justiça do sistema de avaliação: tinha-se apercebido de que, trabalhando a maior parte do seu tempo na DREC e apenas leccionando uma hora e meia por semana, a sua actividade como professor iria ser avaliada em "quatro dimensões e segundo 39 indicadores e 72 descritores" e criticou, lealmente, a burocracia do sistema, a sua falta de bom senso. 


O que quero dizer é que a lealdade mal entendida pode ser usada como desculpa para a cobardia dos subordinados e para a prepotência dos poderosos. E uma sociedade em que se prescinde das percepções do povo é muito pobre e, seguramente, não democrática. Critiquei aqui a eleição de José Sócrates com apenas um voto contra, no congresso do P.S. de há dois anos e a situação não melhorou: a lealdade deve ser para com os princípios do partido, não para com o seu chefe como pessoa. Um militante leal deve criticar o partido, é a forma de ele, partido, se manter fiel a si mesmo, aos seus princípios; até a lealdade ao chefe, bem entendida, traz o dever de o criticar, a única forma que o chefe tem de ver se se mantém fiel ao seu partido ou se está a derivar para o autoritarismo. O que creio ser verdade para qualquer organização: para a nossa Câmara Municipal, por exemplo.


Ontem, num jantar pré-congresso do PS, em Viseu, alguns jovens, desajeitadamente, quiseram falar e foram expulsos pelos seguranças, não estavam a cumprir a burocracia. Talvez no tempo do rei do meu exemplo, em que a coragem deles ainda teria tido mais valor, o rei ordenasse aos guardas que deixassem os bobos falar, talvez ele usasse as críticas deles para reflectir, talvez, até, admirasse a coragem desses jovens. Ontem o "rei" sorria enquanto eles eram expulsos ... mas só esses actos desajeitados nos poderão trazer, de volta, a democracia.
E a imaginação criadora de gente como Os Homens da Luta:-) . A 12 de Março o regime começa a cair.
O que vier será uma democracia, os portugueses amam demais a liberdade, toleram qualquer governo...mas estão a acordar!

5 comentários:

  1. No PCP, os deputados ganham aquilo que já ganhavam antes de serem deputados. O eventual excedente reverte para partido.
    No PCP não há tachistas!
    Que os outros partidos lhe sigam o exemplo, se tiverem coragem e se quiserem contribuir para moralizar a classe política.
    Os partidos e as responsabilidades pelo estado das coisas não são todos iguais!
    A geração à rasca também poderá aprender a votar melhor...

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  2. Obrigado por comentar.
    Como sabe o gasto de dinheiros públicos atribuível aos políticos deve-se aos empregos inúteis que criam, para que lhes devam favores, ou por nepotismo. Mas deve-se, sobretudo, à má gestão do governo.
    A sua sugestão em nada diminuiria o gasto de dinheiro público, ele apenas iria para o partido, em vez de ir para o deputado.
    Para cavalgar este protesto de ontem o PCP poderia fazer algo que se espera, dos democratas que são, desde o 25 de Abril: demarcar-se da violência, sobretudo fazer "mea culpa" pelos crimes de Stálin. Declarar, com toda a clareza possível, que os fins não justificam os meios. A manifestação de ontem foi pacífica. Nas próximas é provável que o regime reaja e partidos civilizados como o PCP poderão ajudar a luta a manter-se não violenta, o que precisará de ideias pacifistas fortes, face ao desespero do regime.

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  3. José Socrates foi desleal com a Assembleia da Republica e com o Presidente da Republica, não usou de "franquza nem de retidão" e "dissimuladamente" tratou com Sra. Merkl assuntos que a todos nós dizem respeito. Hoje, no Público, Vasco Pulido Valente ridiculariza-o por ter dito que respeitou o conteúdo, não a forma. Democracia é essa forma à qual ele foi desleal. Não é a primeira vez que o nosso governante se comporta como um "tiranete da Beira", não é um democrata.

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  4. 20 de Março
    A Crise e as Respostas da Esquerda
    Sessão pública com Francisco Louçã e João Teixeira Lopes.
    Santo Tirso, Auditório do Museu Municipal Abade Pedrosa, 16h. Ver cartaz.

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  5. O auditório escolhido é muito pequeno para o interesse que os conferencistas vão despertar. Assisti, na UNICEPE, ao lançamento do livro "Os donos de Portugal" e não se cabia na sala. F. Louça é um dos nossos melhores economistas mas, para que a esquerda possa ser uma solução viável, tem que seduzir os portugueses, demarcando-se de Stálin, defendendo a não-violência, o respeito pelo outro e mostrando ter consciência de que a transformação a fazer é mundial. Portugal, na transição, precisa de gente consciente e sem preconceitos.

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