quarta-feira, 23 de novembro de 2011

125%

Os municípios podem-se endividar, por lei, até 125% do montante das receitas do ano anterior. O que fazem, claro: é legal! (com honrosas excepções, “o respeitinho é muito bonito!”)
Se um campónio vier dizer que o melhor é não ter dívidas e se, com a sua aritmética da quarta classe, calcular quanto é que o município (os munícipes!) terá que pagar, em juros anuais, ao banco que lhe emprestou o dinheiro, os provincianos que nos governam chamam-lhe provinciano, criatura retrógrada que nada percebe de economia contemporânea. Quer dizer: chamavam, é possível que tenham perdido, recentemente, alguma da sua sobranceria.

A nossa cultura popular é um modelo para entendermos a realidade e o facto de a nossa industrialização ser muito recente – e incipiente! – aconselha-nos a não a abandonarmos de ânimo leve. Eram bem conhecidos – e muito mal vistos – uns sujeitos que emprestavam dinheiro aos lavradores e acabavam por lhes ficar com a quinta, porque eles não conseguiam pagar os juros; ouvi essas histórias na infância, assim como me lembro de ouvir dizer que, nos anos vinte, na Alemanha, as pessoas iam á mercearia com uma mala de notas, as coisas custavam centenas de milhares de marcos. Essa história está na memoria colectiva dos alemães, faz parte da sua cultura, da sua experiência como povo. E é essa história que os faz temer o fabrico de euros pelo Banco Central Europeu, a única solução para a nossa moeda, que aguentaria alguma desvalorização.

Não interessa culpar os responsáveis pelo buraco em que nos metemos: na verdade não soubémos resistir aos slogans e aos cartazes, às bonitas palavras e ao resto do marketing: somos os responsáveis últimos, em democracia!

Se quisermos ser independents teremos que conseguir pagar as centenas de milhares de milhões de euros que devemos – o que é manifestamente impossível!

Um blog é um espaço de liberdade de expressão, vou dizer onde a lógica me leva: o Banco de Portugal poderia fabricar escudos. O novo escudo custaria 50 centimos de euro, por exemplo, e todos os bancos, empresas, pessoas, veriam, por lei, os seus euros confiscados e substituídos por Novos Escudos.
O Banco de Portugal, com esses euros, trataria de pagar a dívida, de a comprar. Teríamos que estar preparados para uma economia interna de subsistência mas continuaríamos senhores das águas, da REN, da CGD, da PT, etc e a agricultura desenvolver-se-ia imenso. Deixaríamos de ter que pagar juros. Passados uns anos proporíamos a adesão ao euro, de novo, se isso nos conviesse. Seríamos um país sem dívidas, "apto".
Esta loucura seria menos louca que o abismo para que caminhamos: vamos vender tudo, enquanto a nossa economia regride e trabalhamos para pagar juros. Daqui a uns anos ninguém nos quererá no euro, se ele ainda existir!
E acontecer-nos-á refazer o escudo – só que em piores circunstâncias e sem nos termos libertado da dívida, que será imensa.
A atitude actual dos bem pensantes é bem mais louca que a proposta acima. Consiste em esperar que os alemães se decidam a fazer do euro uma moeda normal, desvalorizável. Nada indica que se decidam a tempo, pelo contrario!

Tivémos a audácia de votar neles, oxalá não sejamos suficientemente corajosos para persistir. Ao que parece a inteligência consiste em aprender com os erros: o orçamento para 2012 tem cerca de dez mil milhões de euros, nas “receitas”, provenientes de empréstimos. Que é que aprendemos?

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"Pranto pelo dia de hoje"

Este poema, escrito nos anos 60 do século passado, durante a tirania de Salazar, faz, de novo, sentido:

   Pranto pelo dia de hoje

       Nunca choraremos bastante quando vemos
       O gesto criador ser impedido
       Nunca choraremos bastante quando vemos
       Que quem ousa lutar é destruído
       Por troças por insídias por venenos
       E por outras maneiras que sabemos
       Tão sábias tão subtis e tão peritas
       Que não podem sequer ser bem descritas.


                                                          Sophia de Mello Breyner Andresen

Nunca a economia teve um lugar tão central na res publica. Em todos os países europeus o poder político se submete ao económico, o qual o manipula investindo em marketing e em "outras maneiras que sabemos / Tão sábias tão subtis e tão peritas / Que não podem sequer ser bem descritas".

Lendo o jornal de hoje, "O Público", insuspeito de ímpetos revolucionários, vemos, na página de Economia (16/17) um artigo (Governo opta por regime que favorece grupos económicos na tributação de dividendos) com um destaque, "Os serviços do IRC queriam agravar a tributação dos grupos mas a sua informação ficou parada dois meses, sem despacho", artigo em que se vê a complexidade da forma como os privilégios se conseguem manter -- e os milhões que os privilegiados gastam em pareceres jurídicos.
Ou os nossos representantes eleitos são competentes para defender o interesse público ou não são. Tudo aponta para uma terceira hipótese: são competentes para defender os interesses privados!
Na página 5 ficámos a saber que a REN (a empresa Redes Energéticas Nacionais) que é dona das linhas de alta tensão, que tanto trabalho e dinheiro custaram ao erário público durante tantos anos e que são uma infra-estrutura cuja falta mexe com a segurança nacional, já só pertence em 51% ao Estado; e que esses 51% vão ser privatizados, prevendo-se que por 700 milhões de euros.
700 milhões de euros! Vale a pena o Estado perder assim a soberania? Vai recuperar com isso os milhares de milhões de euros perdidos a indemnizar os investidores do BPN ou aqueles perdidos nos túneis da Madeira? Que é que isso ajuda a pagar os seis mil milhões que estão no orçamento de 2012 para pagar juros da dívida?
A aflição financeira do Estado é favorável a vender ao público estas vendas absurdas, que noutro tempo, o povo não permitiria.
Perdoe-me o leitor mas são coisas