sexta-feira, 9 de março de 2012

Estreou, no Teatro Nacional de S. João, no Porto, o Auto da Alma, de Gil Vicente e aconselham-se os leitores a ir ao teatro, pelo mérito dos actores, da encenação de Nuno Carinhas, com colagens de Teixeira de Pascoaes e outros, com os figurinos criados por Elisabete Leão... e, sobretudo, pela oportunidade da peça nos dias de hoje.

Gil Vicente aproveitou a estreia do Auto da Alma para mostrar a sua Custódia de Belém, que já fez cinco séculos. Era a magna transição do tempo medieval para o moderno e a jóia anuncia o barroco, o ouro do mundo usado racionalmente para cativar as almas para o céu -- sem grande sucesso!

Também hoje transitamos para um outro tempo magnificamente novo, que imagino um céu na terra, o fim paradoxal da dualidade em que o Auto põe a Alma, um mundo espiritual à luz do Sol.
"Todas as cousas com razão têm sazão", dizia o diabo à alma, propondo-lhe que parasse e "Ainda é cedo para a morte; tempo há-de arrepender, e ir ao Céu". E o anjo: "Andai prestes / alma bem-aventurada / dos anjos tanto querida / não durmais / um ponto, não esteis parada..."
Parar. Parar é o erro, é desequilíbrio, não é próprio da vida parar. Apetece ficar na dita sociedade de consumo mas o tempo, a vida, pede que a deixemos para trás.
Gil Vicente não xingava apenas a corte, os seus espectadores. Xingava a Igreja da reforma, Júlio II, patrono de Miguel Ângelo, o papa entre o mundo e o céu -- destino das almas! E propunha à Igreja o papel de Pousada, de descanso da alma caminheira.

Também hoje os tempos são de mudança e "ter é tardar". Hoje o lucro manda sem dono, sem arte, a todos tem por escravos, competindo, sofrendo o seu domínio -- e já sem razão, que outra é a sazão. A peça mais abstracta, mais espiritual, de Gil Vicente, vem a propósito: a Alma tem que sair do Shopping, falsa Pousada, é forçada a procurar o repouso em si mesma, no seu papel de consciência da Terra -- que já se conhece no céu, entre os outros planetas e estrelas.
Sacred Economics, o livro online

1 comentário:

  1. burro que não gosta de palha10 de março de 2012 às 04:14

    Pois. A Arte. A palha para a alma. "Bonito, bonito..."

    ResponderEliminar