Disseram-me que a hierarquia é natural, falaram das "sociedades" animais, da natureza -- ou, como se dizia antes da "democracia" que temos, a qual trouxe um certo pudor para dizer essas coisas: "há os que nascem para mandar e os que nascem para ser mandados"!
É curioso que sejam as pessoas mais ligadas à nossa forma tradicional de cristianismo quem mais se assusta com a ideia do poder do povo -- da democracia. Porque Jesus Cristo nos é contado como insistindo em que somos todos irmãos, como tendo resistido aos que queriam fazer dele o rei dos judeus e como tendo sido morto porque a parte da sociedade mais ligada às hierarquias preferiu libertar um criminoso, Barrabás, a aceitar a ideia da fraternidade, a de que não precisamos de fariseus e quejandos.
Lembrei-me então dos factos narrados nesta apresentação do TED, com que fiz um "post" anterior. A forma como as mulheres ainda são tratadas, no mundo, os abusos cometidos são inimagináveis pelas pessoas da nossa sociedade. Mas são consideradas normais noutras. No "software" que corre nas cabeças da maior parte dos nossos irmãos humanos há uma hierarquia em que os homens valem mais que as mulheres. Na cabeça de um homem que viola uma mulher há um "direito natural" que lhe assiste e, num número demasiado grande de sociedades, a culpa e a vergonha são da mulher, normalmente julgada como tendo "provocado" o acto, por ser atraente, por não ter uma roupa que a cobrisse bem -- e, embora ela implorasse ao homem que a deixasse em paz, ele pratica o acto sinceramente convencido que era o que ela queria, embora, por ser mulher, obrigada ao recato, dissesse que não!
Pois há uma analogia entre essa crença de que os homens são hierarquicamente superiores às mulheres e a crença de que há hierarquias entre nós, seres humanos.
Claro que há hierarquias pontuais, caso a caso: mas o avô que pede ao neto que o ajude com o comando do aparelho de televisão não lhe é hierarquicamente inferior. Cada um de nós tem as suas competências pontuais e daí aceitarmos tão naturalmente que quem andou na Jota a treinar o discurso desde pequenino seja mais competente para decidir as taxas dos impostos que levaram à morte de milhares de empresas -- mesmo depois de, feitas as contas, se saber que os impostos arrecadados com as taxas anteriores, mais baixas, somavam um valor mais alto...
Ah! Os doutores economistas, a nata da hierarquia! Dizem-nos, com franqueza e inocência, que se avalia a saúde de uma sociedade pela subida das cotações das acções das bolsas de valores, ou pelos lucros dos grandes bancos e nós -- haja hierarquias! -- logo nos esquecemos de que os esfomeados não têm acções nem sequer onde ir vender, por uns tostões, o seu esforço, o seu trabalho, o seu tempo, a sua alma!
No topo da hierarquia da nossa sociedade está, oficialmente, o Sr. Presidente da República, o qual, depois de ter sido primeiro-ministro e de ter posto em prática a ideia Keynesiana dos grandes investimentos públicos para lançar a economia ajudando as empresas privadas (e esquecendo-se de que já não produzimos notas, ignorando, olimpicamente, o crescimento da dívida) se entreteve, enquanto aguardava as suas funções presidenciais, a gerir o BPN, com cujos gestores visíveis, seus amigos, se reunia todas as semanas, sendo o verdadeiro responsável pela herança que nos deixaram... Ah! Como seria Portugal, hoje, se, à míngua de hierarquias, as decisões tivessem sido tomadas pelo povo? Por essa "cambada de incompetentes", como o "software" mais prevalente nas nossas cabeças considera ser o povo, os portugueses sem curriculum numa Jota, nem sequer numa universidade privada?
Notícia de última hora:
O governo formou uma orquestra para interpretar "Grandola, vila morena" em digressões pelo país:



