terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Tempos de mudança

São tempos de mudança. Dentro da cada um de nós novas ideias combatem os hábitos; nas famílias o essencial pede novas regras de convivência; nas freguesias o desejo de  qualidade de vida vai ganhando ao de quantidade de obras; nos concelhos o ambiente deixa de ser mero "slogan", exige respeito; no país prende-se o primeiro banqueiro, um ex-político, e contesta-se a burocracia; na Europa não se aceita o tratado de Lisboa de olhos fechados; no Mundo percebe-se que a vida no planeta está em risco, se continuar a sociedade de consumo.
A chamada "crise financeira" (creio que é mais que uma crise!) não passa de um sintoma, o problema é mais profundo. A nossa forma de viver, a sociedade de consumo e a sua transformação dos recursos naturais em lixo mais ou menos tóxico, a destruição da fonte de oxigénio, das florestas, e o aumento de CO2 não são sustentáveis, estamos a caminhar para o abismo e, com os "países emergentes" a ajudar, estamos a correr para o abismo. É tempo de mudar de rumo.
Penso que é uma idade histórica que finda, a chamada Idade Contemporânea, que os historiadores fazem começar com a Revolução Francesa, em 1789, mas que começa com a Revolução Industrial, que durou anos, que é difícil de datar (1760, para A. Toynbee).
Antes da indústria o comércio era senhor. O terramoto de Lisboa, a cidade comercial mais rica do mundo, em 1755, pode ser visto como o marco simbólico de o fim de uma era. Palácios barrocos a abarrotar de ouro e diamantes foram engolidos pela terra; a Europa tremeu também, acordou para o tempo em que estava. A máquina a vapor já existia desde o princípio do século mas os escravos de África eram mais baratos e pouco se desenvolvera a indústria. A necessidade apareceu com o fim da escravatura exigido pelas ideias do iluminismo, pela Declaração da Independência dos EUA, pela guerra civil, que foi sua consequência. 
Claro que se tratou de um processo dialético, as ideias generosas que levaram ao fim da escravatura só apareceram porque as máquinas permitiram imaginar e criar a produção industrial a substituir os escravos. (Portugal, o inventor do comércio moderno mundializado, pouco ou nada ligou à revolução industrial, ficou no seu papel de velho senhor arruinado).
A indústria precisou de capital para se montar e apareceram as Bolsas de Valores e as sociedades por acções, a "city" de Londres e, mais junto de nós, "Wall Street". 
 A queda das torres gémeas de Nova York pode ser vista como um marco simbólico análogo ao terramoto de Lisboa; anunciou-nos uma nova era, para a qual acordamos, estremunhados, agora. A máquina a vapor do nosso tempo são os computadores, o internet, o Google e os outros motores de busca que dão ao leitor, neste momento, uma informação muito maior que a que pode abarcar. As fábricas robotizadas estão a libertar os operários,  deixando-os, como aos escravos no século XVIII, numa situação aflitiva mas carregada de esperança -- é um mundo novo!
Desde que Barack Obama conseguiu arranjar, no internet, centenas de milhões de dólares para a sua campanha, é de prever que a produção de energia solar e de outras que o tempo impõe se financiem assim; as Bolsas de Valores perderão poder, dispensáveis, esquecidas! 
Uma nova era.

Como vai ser esta nova era? Podemos imaginar que a democratização da informação -- o "Magalhães" nas escolas -- venha pedir aos alunos que aprendam a lidar com gigabytes. O que interessa é o que se sabe aprender, o sentido que se consegue dar à informação, ou seja, interessa ser livre, pensar pela própria cabeça. Cada escola ir-se-à "desenrascar", para criar cidadãos, como entender, ligando cada vez menos aos processos sugeridos (impostos?) pela burocracia central. Assim como o comércio cresceu (melhorado) com o advento da indústria, 
assim a democracia se vai expandir, tornar real, na era da informação. Não é tempo de tiranos, nunca o foi!


E que interessa tudo isto para o nosso Concelho, o de Santo Tirso?
Uma tão grande mudança de paradigma, a atitude predadora da revolução industrial, que nos propunha "conquistar a natureza", a ser substituída pela de ajudar a natureza a sobreviver à nossa agressão passada, pela de nos integrarmos na natureza, em vez de lutar com ela, deve ser o mais rapidamente possível assumida, de facto, pelo poder público. Não bastam as leis europeias que pedem às indústrias que não sejam poluentes, é preciso, em cada pequenino espaço, salvar a natureza. A principal indústria do país (e do concelho, creio) é a indústria da construção civil. Produz entulho em quantidades industriais e continua a descarregá-lo em áreas ecológicamente protegidas. E produz entulho quando constrói prédios nos campos férteis (vamos precisar de comida -- e que nos não intoxique --, será a prioridade dos próximos anos de aflição económica). É claro que a Câmara terá que deixar de invejar a da Maia, que não tem reserva agrícola e pode licenciar construções por todo o lado. Pelo contrário terá que aprender a orgulhar-se do seu PDM (o qual tem sabotado nos últimos anos), um PDM que não foi projectado à pressa por desenhadores, como em muitos concelhos do país, mas que tinha algum sentido de futuro, que valorizava a qualidade de vida, mesmo que à custa dos lucros a curto prazo dos empreiteiros do concelho. Terá que os ajudar a reestruturar a sua actividade: habituados a vender casas pelo dobro do que lhes custara a construí-las vão ter dificuldade em deixar de investir em casas novas. É preciso fazê-los sentir que são as casas velhas quem precisa deles, precisam de isolamento térmico, de painéis solares, por aí fora... é isso ou a falência. A Câmara e as Juntas de Freguesia terão que compreender que as aldeias não precisam de avenidas mas de ser aldeias que protegem a natureza, onde se gosta de viver, se não deita entulho; terão que acompanhar os tempos!
Alguém, na Câmara, terá lido um trabalho de sociologia (com mais de 20 anos) sobre o nosso Concelho, que teve repercussão mundial e que estudava a surpreendente sobrevivência ao desemprego dos operários da têxtil deste Concelho? Ele mostrava que sobreviveram porque ainda tinham um pé na lavoura; tinham uma horta nas traseiras da casa. Não faz isto pensar nas densidades urbanas que a indústria da construção pediu e teve? É mais que tempo de mudar de rumo. De imaginar os lavradores a vender legumes frescos no internet e carrinhas do Porto (da Maia!), de Santo Tirso, a usar o GPS para os ir buscar, pelas aldeias. De ligar à história, ao facto de as Ordens religiosas, há mil anos, terem ficado com os melhores terrenos de cultura, de pensar que os beneditinos eram lavradores, de pensar no exemplo de Ponte do Lima, de deixar de imitar a Maia, o concelho que alimentou o Porto antes do seu desgraçado PDM e de o Porto se alimentar em França, nos super-mercados congelados.
A Revolução Industrial acabou. Fica, da indústria, tudo o que tem de bom. Acaba a sociedade de consumo, o disparate. É melhor ver isto mais cedo que mais tarde.

2 comentários:

  1. burro que não gosta de palha6 de dezembro de 2008 às 03:45

    A ideia de que o progresso consiste em fazer obra está muito arreigada. É, de facto, urgente começar a recuperar as fábricas abandonadas, por exemplo e, por exemplo, para fazer uma empresa privada de saúde!

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  2. Obrigado. Estamos perfeitamente de acordo! O problema é que o senso comum valoriza mais as obras novas, vistosas, que os discretos consertos que melhorem a qualidade de vida. Mais à frente deste sobreiro que querem sacrificar ao "progresso" o caminho estreita para uma largura adequada ao seu pequeno tráfego de aldeia. É um exemplo da obra inútil, destruidora da paisagem. Um exemplo do velho paradigma.

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