Hoje não é preciso ler Marx para ter consciência de que a economia domina a política (de tal maneira chegou ao senso comum que o bom senso nos pede que pensemos noutras coisas que influenciem a política!). Até que haja algum milagre (ainda podemos esperá-lo dos lados do Obama), os políticos representam, nos nossos países democráticos, não os cidadãos, como os cidadãos distraídos possam pensar, mas o poder económico.
Em certos países africanos o poder económico está nas mãos do líder político, que se representa a si mesmo, à família e aos amigos, mas, entre nós, nas nossas sociedades industrializadas, os políticos representam o poder económico da indústria dominante e é ingénuo pensar que não sejam bem pagos por essa representação no Estado. Fazem as leis, tomam as iniciativas que convêm à dita. E, desde que isso não a incomode, fazem outras coisas, coisas úteis, até, mas que podem ser vistas como simples despesas de marketing que os mantenham no seu papel de representantes úteis à indústria dominante do país, no nosso caso a da construção civil, com a qual governantes e governados identificam o progresso.
Quando Bill Clinton se recusou a bombardear Belgrado ou a fazer outra guerra qualquer, como lhe pedia a indústria dominante do seu país, a do armamento, esta tratou de o liquidar. Não precisou de lhe dar um tiro (os tiros no Kennedy ficaram-lhe caríssimos em desinformação contínua, embora a escalada no Vietname que se seguiu, com Lyndon Johnson, a tenha compensado largamente), bastou-lhe, tratando-se de um país protestante, armar-se em defensora da moral e dos bons costumes: conseguiu o desejado bombardeamento de Belgrado e, como bónus, oito anos de Bush, biliões de receita em armas e material bélico vendido ao Estado.
Entre nós a indústria dominante é a da construção civil e já é oficial que temos casas a mais, já é inevitável que os preços delas baixem, as auto-estradas estão todas feitas, começa a ser difícil inventar mais rotundas, há que actuar --à portuguesa, sem tiros, basta saber vender as soluções!
A crise financeira vem a calhar, a solução Keynesiana é obras públicas, toca a "relançar a economia", são precisos investimentos do Estado -- não é o que vai fazer o Obama? --É, mas eles não investem em obras públicas há décadas e nós não temos feito outra coisa! -- Pormenores sem importância, funciona como marketing, logo faz-se uma lei que permite às Câmaras fazer obras até cinco milhões de euros sem concurso público, a situação é urgente, não se pode perder tempo com as burocracias dos concursos.
Assim se vende um disparate a uma população crédula e se mete dinheiro nas mãos da indústria dominante, habituada a vender pelo dobro do preço de custo. Os pequenos empreiteiros, que poderiam oferecer soluções mais baratas, mais inteligentes, para uma obra, esses ficam de fora, são os do costume quem fica com as obras todas, não há concursos! Nem concorrência, é o mercado "livre", é o monopólio dos que têm "representantes" no governo.
Mas o maior disparate nem é a injustiça e o dinheiro mal gasto: é que a solução Keynesiana, nos anos 30, se baseou no fabrico de notas, o Estado pagava as obras, apareciam novas indústrias para apoiar as obras, gente com dinheiro para gastar que "relançava a economia";ora acontece que estamos no euro, não fabricamos notas, fazemos dívidas e vamos, com elas, "salvar" uma indústria que precisa de ser drasticamente diminuída, reconvertida; as "obras" de que precisamos não são físicas, são outras.
São saúde e educação e não consistem em edifícios novos, essa não é a prioridade dos cidadãos, muito mais importante é gastar o pouco dinheiro disponível em pagar melhor aos trabalhadores da saúde e do ensino, em contratar quem dê rendimento em vez de ficar a vê-los fugir para as clínicas e escolas privadas e deixar os novos e vistosos edifícios entregues a burocratas que não dêem a saúde e o ensino que são precisos. Esse investimento nas pessoas relançaria a economia porque elas teriam dinheiro para gastar e porque a população saudável e educada seria uma enorme mais valia. Não falando da miséria de ter que ir aos serviços privados quando se está doente e desempregado ou de passar fome para ter os filhos numa escola privada que assegure algum ensino.
Que sábia decisão a do nosso governo ao acabar com a burocracia dos concursos, como vão ficar mais transparentes as adjudicações de empreitadas, como vai ficar mais difícil aos políticos corruptos ganharem com isso! Isto é que é ter coragem de relançar a economia, de ser generoso com os dinheiros públicos! Este é um governo que conhece as suas prioridades, a construção civil, que não teme ser mal interpretado pelo povo que quer ver "obra", um governo que tem vistas largas, que não teme o futuro! E que mesquinha a Associação dos Municípios Portugueses, que desconfia de tão generosa oferta!
100% de acordo. Mas que palha me quer dar a comer? Acredita que escrever essas coisas muda algo?
ResponderEliminarQuantos portugueses pensa que entenderam a ironia de Fernando Pessoa ao chamar "grande português" ao Vigário?
A opinião pública respeita os vigaristas que conseguem passar por santos. Nesses vota, nesses confia, aos outros chama burros. Não tem outra categoria para o meter: ou é burro, como eu (ingénuo, para os mais gentis), ou é um vigarista a passar-se por santo. É assim a nossa cultura, camarada. A prova está aqui: ninguém o comenta, ninguém o lê... só alguns burros como eu. É melhor calar-se...ou ser "positivo" e bater palmas.
Agradeço o comentário. Infelizmente creio que tem razão: um povo que gasta tanto dinheiro em fogos de artifício vai ter dificuldade em entender que um belo Hospital novo, cheio de burocratas que fingem dar saúde não seja preferível a ter saúde, a não ter listas de espera, a ter serviços que funcionem. Mas não vou seguir o seu conselho: não está no meu temperamento calar-me nem aplaudir disparates. Obrigado por ler!
ResponderEliminarVisita de trabalho a Rebordões: Presidente anunciou investimentos para a freguesia. Saiba tudo no SANTO TIRSO POSITIVO!
ResponderEliminarNo caso dos médicos ligados ao sistema nacional de saúde, seria necessário exigir que estivessem em regime de exclusividade. Desta forma evitar-se-iam os vergonhosos aliciamentos aos utentes, onde lhes prometem rápidas resoluções dos seus problemas de saúde, desde que estes se desloquem à sua clínica privada.
ResponderEliminar"Duas cirurgias por semana é o que opera, em média, cada oftalmologista nos hospitais Barcelos, Santo Tirso, Viseu, Setúbal, Santarém e Barreiro, uma média impensável em Cuba, onde um cirurgião chega a operar 15 doentes por dia."
Será que os hospitais em Cuba são privados? :)
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