quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Da importância da estética

Hoje senti a sombra do “velho abutre” (não é um arrepio, a sensação, é um desânimo pesado, escuro e frio).

Para os gregos antigos verdade e beleza eram a mesma coisa. As contradições entre as diferentes poéticas, ou seja, os diferentes processos de criar arte, são as contradições sociais, as lutas políticas, a verdadeira origem das “ideologias”.
O velho abutre, que Deus tenha, via beleza no “viver habitualmente”, rural, da Idade Média, antes do Renascimento, antes do poder da burguesia, que, por sinal, ora se começa a extinguir, neste século XXI.
A poética da dignidade humana, da carta dos direitos humanos, com que afugentámos o velho abutre, tem a ver com a liberdade como valor e com o respeito pelo outro, com o cuidado de que a nossa liberdade não vá prejudicar ninguém. Esse cuidado, manifestamente, faltou ao grupo dominante na nossa sociedade e a poética do 25 de Abril está em risco de perder para outras, daí a sombra, o seu pairar.

A noticia que iluminou isto foi a de que o vice-presidente da bancada do PS lançou a suspeita de que Manuela Ferreira Leite tenha tido acesso, três meses antes de nós, às escutas telefónicas entre José Sócrates e Armando Vara; isto por ela ter acusado, há três meses, o primeiro ministro de ter mentido no Parlamento, ao garantir que nada sabia sobre o negócio da TVI.
A liberdade de continuar as negociatas invocou os mecanismos de respeito pela liberdade, privacidade, esqueceu que foi com a verdade que a nossa poética se impôs à medieval!
Se nos não demarcarmos dos oportunistas, chamemos os bois pelos nomes, outras poéticas substituirão a nossa.

O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas

Sophia de Mello Breyner Andresen

2 comentários:

  1. burro que não gosta de palha3 de dezembro de 2009 às 06:45

    Mas voçê não sabe que as liberdades são as de quem tem dinheiro fazer mais dinheiro sem ser incomodado? Hoje há outra notícia: O PS aliou-se ao CDS para chumbar uma proposta de lei anti-corrupção, no Parlamento. A todos convém a rotatividade, lá ficará o PSD a velar pelas liberdades, mais dia menos dia! O velho abutre deve-se estar a rir.

    ResponderEliminar
  2. De facto! Não tememos a queda da democracia por estarmos na União Europeia. Mas o desprestígeo dos que a defendem afecta-a. A Justiça, ela mesma, sai desprestigiada do uso das liberdades democráticas para encobrir a falta de respeito pela democracia que terá sido a tentativa de neutralizar o jornal da TVI (bem sucedida, afinal!) ou as tentativas de atrapalhar as invetigações de corrupções (também bem sucedidas, aparentemente!).
    O problema da corrupção na está na percentagem do preço da obra que se perde para os corruptos mas em que eles ganham mais quanto mais caras forem as obras! Quem tem o poder de decisão sobre os dinheiros públicos não pode ser corrupto. Senão o país entra numa situação (a actual) de uma hemorragia que é urgente estancar. Senão a dívida pública continuará a aumentar. Se este governo não compreender que não pode continuar a fazer obras como a do anunciado TGV, que só é comparticipado em pouco mais de 20% por fundos europeus, terá que ser “estancado”. Se nem o Parlamento nem o Presidente da Republica o fizerem o país fá-lo-á. Porque, como um ser vivo, Portugal lutará pela sobrevivência, é disso que se trata, com Europa ou sem Europa.
    No microcosmos das Câmaras Municipais, do PS ou do PSD, a situação é identica. As dívidas das Câmaras, dizem alguns, ultrapassam a nacional. O risco para a democracia é mais que real. E foi criado pelos partidos em que os portugueses votaram!

    ResponderEliminar