sexta-feira, 29 de julho de 2011

Nas suas andanças pela Galileia, o Filho do Homem, uma vez, feriu-se na mão direita, no indicador, e Maria Magdalena envolveu carinhosamente o dedo num bocado de tecido. Seca a ferida, a santa mulher guardou o pano, sujo com o sangue daquele que indicara o caminho.
Esse pano está hoje num mosteiro ortodoxo grego e dá de comer (junto com o que cultivam) aos monges que o habitam.
Tenho simpatia pelos peregrinos que fazem uma promessa ao farrapo e lhe dão uma esmola. Imagino que o Filho do Homem também, o amor precisa de formas para se expressar, e essa, por tão simples, é bela.

Os fariseus contemporâneos, porém, para quem a relíquia é apenas um farrapo, descobriram-no e trataram de o “recuperar” para ser exposto em Roma, onde as esmolas têm a forma de bilhetes e os peregrinos a forma de turistas culturais, um negócio que paga impostos e é um dos pilares da economia local. O seu projecto de marketing contém ainda um estudo ao ADN do sangue que ficou no pano (é um pouco tarde para o encontrarem mas não para o sucesso do marketing) e há quem fale, ainda, numa pesquisa de impressões digitais com um método recentíssimo.
Para isso mobilizaram toda a cristandade cultural, todos os que querem descobrir o caminho a partir da Ciência, escandalizados com o abandono em que tal monumento esteve, durante tantos séculos.
Tenho simpatia por essa gente toda: é, afinal, uma forma confusa de expressar amor.

O dedo ferido, porém, indicava o próximo, aquele irmão, ao nosso lado, que precisa de nós.
     
                      Esta história é completamente inventada, embora verdadeira, é preciso dizer!

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Radicalismo

A palavra radicalismo vem de raiz; nas ideias será o que têm de mais primitivo, a sua essência sem floreados.
Porém, as ideias são as flores da evolução biológica, são esperança de fruto, de novas raízes, de continuação da vida, sob nova forma. Uma flor que se toma por raiz recusa transformar-se em fruto, recusa morrer, como é o seu destino de flor, para dar fruto, semente, esperança de novas flores a vir, idênticas mas diferentes.
É vulgar os radicais endeusarem a morte, dizerem coisas como "viva la muerte!", o que é, claramente, o contrário de "viva a vida!", ou seja, a mudança, a evolução. Agarram-se, desesperadamente, àquela forma de vida enterrada, a raiz, esquecendo que "todo o Mundo é composto de mudança", como diz o poeta.

Creio que a ideia de Democracia ganhou a Europa e grande parte do mundo porque propõe a mudança que vem do debate livre de ideias, propõe a discussão da qual nasce a luz, aceita que as ideias são para evoluir e que todas são necessárias para que nasçam as novas, suas filhas. É ideia fértil, a Democracia, é o fruto maduro da nossa civilização e certamente estará na raiz das ideias novas, que os tempos pedem.
Mas é uma ideia grega, melhor, o cruzamento, o fruto, feito no Renascimento, designadamente em Florença (que até parece vir de flor, em português!), da Grécia Antiga com a Europa medieval, de Carlos Magno e de Ricardo Coração de Leão.

É natural que seja na terra dos bárbaros, nos países que mais longe estavam da civilização grega e dos seus admiradores romanos, que o radicalismo cristão, das cruzadas, apareça. Paradoxalmente, onde as flores da democracia moderna atingiram o seu esplendor!
É legítimo, em democracia, que as ideias radicais se exprimam, que se mostrem na ágora (que hoje é a televisão e o internet) e tentem convencer a maioria: da discussão nasce a luz.
O que não é legítimo, o que é morte da nossa espécie biológica, de uma evolução crucial que partilhamos com outros primatas, no seu ADN, é pôr em causa a noção de que é errado matar, de que "os fins não justificam os meios". Sempre que esse radicalismo rebenta (milhares de vezes na História!), ele perde para a poderosa raiz genética, que é a nossa, que nos pede a luta leal, sem matar o adversário.
As manifestações populares que se passam agora, na Noruega, são a prova disso. Oxalá, enquanto vacina para uma Europa já doente, a tragédia tenha sido, pelo menos, eficaz!

domingo, 24 de julho de 2011

  Passei, agora, num passeio de uma rua do Porto onde um homem, agachado, limpava o chão de um resto de cigarro ainda aceso; depois reparei que, ao lado, um outro dormia e percebi que este se preparava para dormir, também. Bem estacionado, estava um BMW preto, alto e enorme, desses que parecem tanques blindados com todo o conforto lá dentro...
Aquele monstro de ar agressivo parecia defender-se, com seus alarmes sofisticados, destes homens indefesos que dormiam na rua... talvez o seu dono achasse que "era necessário", como dizia aquele norueguês que se defendeu, a tiro, de tantos jovens indefesos, culpados de se preocuparem com a pobreza; eram uma verdadeira ameaça -- mas foram mortos.
Os governantes europeus, reunidos lá em cima pelo medo, deram um sinal de quê, de inteligência? 
Não basta saber História para a fazer. Conhecimentos e inteligência não passam de ferramentas para criar os sonhos. Teremos, europeus, a arte de os fazer sonhar os nossos sonhos? 
(Porque não acredito que se possam sonhar carros tão feios como aquele, nem chacinas tão tolas como aquela, nem moedas tão fortes à custa de tanta miséria!).

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
                                                                                                                                                                           Luís Vaz de Camões

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Muitos parabéns, Nelson Mandela!

Somos centenas de milhões a sentir Nelson Mandela como da nossa família, a partilhar com ele valores como a não-violência ou a importância da dignidade humana, a não aceitar a fome e a guerra como inevitáveis, a ter esperança.
11 de Fevereiro de 1990

Mandela esteve 28 anos preso mas já passaram 21 desde que foi libertado, em 1990.
Gostaríamos que ele vivesse até aos cento e muitos para que pudesse ver a nova estrutura que está para chegar: " Temos como óbvio que é possível e que é um dever de todos os homens e mulheres assegurar uns aos outros a liberdade e a dignidade, durante toda a vida".

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Debtocracy, dívidocracia.

Este filme, um documentário que passou ontem na SIC Notícias, é fundamental para compreendermos a crise (final, ao que parece!) do sistema financeiro mundial, que terá que mudar.
Mas é preciso uma população consciente para que haja a necessária mudança: quem tem poder parece ser uma máquina de fazer dinheiro inconsciente.
Somos escravos dela, de uma forma análoga à antiga escravatura (que ainda existe em Africa e não só). Sem saída, inconscientes de que somos explorados e procurando não ficar pior, procurando ser escravos privilegiados, portarmo-nos bem para não ir parar aos trabalhos mais duros.
Parabéns aos cineastas gregos que criaram este documentário!

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Pinta-se um quadro,
em tons de azul, por exemplo,
com vida, valores, conceitos coerentes.

Se o quadro for belo e se gostarmos dele,
alguns toques de vermelho são tensão aceite.
Mas manchas grandes e de cores estranhas,
personagens de outros quadros,
músicas diferentes,

por estragarem o sossego da beleza,
irritam os amantes do quadro que escolheram.
Que lutam, que derramam tons de azul com crescente fúria,
até que, da harmonia, há só memória rude.

Prefiro o real aos quadros que se pintam.
Sei que, a harmonia, só o todo a mostra
e que, se a não vejo, me tenho que afastar.
Sei que ela está lá e tem todas as cores.
Tem guerra, tem pobreza, tem iates e festejos;
tem luta, tem amor, tem todos os conceitos
do que seja o belo, que só o todo é.

A vida não é luta, é harmonia em que a luta cabe;
é sempre mais que o que vemos,
inseridos nela.
A beleza transcende-nos mas,
em momentos distraídos da nossa condição,
vemos a obra toda.
E o real nos apaixona.