quarta-feira, 9 de maio de 2012

Reflexões sobre a democracia que temos

Nem os fascistas põem em causa a democracia representativa, nos tempos que correm. Veja-se como os neo-nazis anti-alemães (uma espécie que só existe porque ainda não estava tudo inventado, como diz Rui Tavares, no Público de hoje) passaram de zero para 7% dos lugares no parlamento grego: mais um perigoso grupo terrorista decapitado pelo sistema! Ou veja-se como o ditador sírio vai a votos, depois de ter matado o máximo de democratas que conseguiu. A democracia é como o poder real antes da revolução industrial: inquestionável!
Haverá grupos radicais anti-democratas que contestam a democracia parlamentar. Mas quem põe em causa a democracia que temos, somos, crescentemente, os democratas! Não digo que todos os democratas se tenham apercebido de que o sistema em que vivemos não é democracia mas essa percepção está a tornar-se comum.
Porém, também é comum o pânico que a ideia de perdermos a democracia parlamentar cria, nos democratas! Auschwitz e o Gulag são memórias vivas: os direitos humanos são para ser levados à prática em todo o mundo e têm tido, nas democracias parlamentares, um aliado.
Mas não é imaginável uma democracia sem isonomia, isogoria e isocracia, traduzindo, sem as mesmas leis para todos, sem o mesmo direito a falar livremente na assembleia e sem que todos tenham a mesma participação no poder (é o mesmo "iso" de isótopos, por exemplo, elementos que têm o mesmo lugar na Tabela Periódica)

-  Ora não temos as mesmas leis para todos; não falando nos privilégios fiscais de bancos e de grandes grupos financeiros -- até da bolsa --, sabemos que o cidadão com dinheiro para contratar certos advogados está em vantagem sobre o que o não tem: na prática não há isonomia!
-  Nem temos o mesmo direito a falar livremente na assembleia; falam por nós os nossos representantes -- quando o partido em que votámos conseguiu algum lugar na assembleia -- e é claro que ninguém pode falar por nós quando está a falar por muitos, de facto, pelo partido. Quanto à liberdade de nos exprimirmos fora da assembleia, ela existe, aqui, mas dificilmente temos acesso a escrever em jornais (que têm dono!) e dificilmente poderíamos ser ouvidos no meio da ensurdecedora desinformação e marketing que existe. Não temos isogoria!
- Tão pouco temos todos o mesmo poder de decidir sobre os assuntos públicos; há quem decida por nós -- e por nós decida gastar recursos a convencer-nos de que está a decidir bem. Trata-se de uma oligarquia, o poder de quem tem dinheiro, muito sofisticada porque se trata do poder do sistema monetário/financeiro ele mesmo, cujos fins de acumulação nem a 1% dos cidadãos interessam. Não há isocracia.

Sempre houve, na História e há, na Geografia política do mundo, privilegiados. A democracia é um milagre, fala-se do "milagre grego". E, mesmo na Atenas antiga, com as leis de Clístenes, a maior parte das pessoas não tinha o privilégio de ser cidadão, por ser mulher, estrangeiro (meteco) ou escravo.

Mesmo assim, o aparecimento da democracia em Atenas desencadeou a criação da Liga do Peloponeso, liderada por Esparta, que a atacou militarmente. Sempre que exista uma hipótese de democracia, seja onde for, esse povo é atacado. Depois do 25 de Abril a esquadra americana apareceu a intimidar e só a diplomacia de Mário Soares, que prometeu (e cumpriu!) que não sairíamos do sistema, impediu o "castigo exemplar" que Kissinger advogava. Outro exemplo é o socialista Léon Blum, o qual, depois de ter ganho as eleições francesas, antes da segunda guerra mundial, foi ao Banco de França comprometer-se a não aumentar os salários!
Mas Atenas ganhou a guerra do Peloponeso e foi um sucesso económico e cultural que ainda ecoa, um milagre histórico. Os mercadores não eram ostracisados, os seus navios vendiam azeite e arte mesmo para lá das colunas de Hércules, aos nossos antepassados (encontraram-se os vasos em que o azeite era transportado); eram fabulosamente ricos, só não tinham o poder político.
E porque é que não tinham o poder político? Porque é que não eram eleitos para liderar Atenas, se tinham os mesmos direitos (embora alguns mercadores os não tivessem, por serem estrangeiros)? Como é que a democracia ateniense se defendia de cair numa oligarquia?

O kleroterion era um instrumento usado para escolher à sorte os jurados que iriam aplicar as leis da assembleia
É que o voto era usado para tomar decisões na assembleia, não para escolher decisores. Aqueles que eram encarregados de executar as decisões da assembleia eram escolhidos à sorte! Isocracia quer dizer que esse papel podia acontecer a qualquer um e o seu trabalho era rigorosamente escrutinado pelos cidadãos. Isto fazia com que todos estivessem informados e interessados na coisa pública pois poderiam ter que lidar com ela -- e sabiam que, se caíssem na humana tendência para abusar do cargo, corriam o risco do ostracismo, de perder o direito a fazer parte da assembleia durante dez anos.

Só poderemos criar uma democracia se deixarmos de estar em oligarquia. E só a poderemos fazer em todo o mundo ao mesmo tempo ou teremos que ser capazes de vencer as forças militares dos nossos vizinhos, que seguramente nos atacarão, caso criemos entre nós a democracia.

Estão a aparecer assembleias populares em todas as cidades do mundo e elas estão a tomar as medidas indispensáveis para que as suas decisões não venham a reflectir o poder da oligarquia. Este instrumento, o Internet, poderá ser a chave para que seja possível criar a democracia real.
E já está debaixo de fogo!

2 comentários:

  1. Apoio esta ideia de todos os cidadãos estarem informados sobre tudo o que se passa na "governação" do país pois a qualquer momento pode ser chamado a exercer um cargo público. É um misto de elementos de um tribunal de júri e sistema militar suíço. Passava a fazer parte da vida de todas as pessoas a preparação e actualização para exercer cargos públicos!!!!

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  2. Obrigado por comentar. Fazer as leis é um assunto demasido sério para ser deixado aos políticos;-)
    Somos os 99%!

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