sábado, 28 de junho de 2014

Artigo no "Noticias de Santo Tirso"

O “Jornal Notícias de Santo Tirso”, periódico mensal,  publicou, no seu último numero, um artigo que lá escrevi e aqui deixo, “com a devida vénia”.

Sobre as eleições europeias

A União Europeia é um bom projecto, que se destina a criar a Paz na Europa (e no Mundo) e, como resultado da Paz, a solidariedade e a abundância.
É um projecto nosso, dos europeus, e, como qualquer projecto, sujeito a dificuldades, a tempos em que parece irrealizável, em que apetece desistir. Este é um tempo assim, um tempo que pede persistência e empenhamento no fundamental, a Paz.
Há quem lucre, por exemplo, em criar mais uma guerra europeia, agora contra a Federação Russa, em desvalorizar a nossa moeda comum, em endividar (ainda mais) os países de Europa.
No cerne da nossa identidade, enquanto União Europeia, está a democracia representativa, basta lembrar que Marcelo Caetano pediu a adesão de Portugal ao projecto europeu e lhe foi explicado que só quando Portugal fosse uma democracia isso seria possível.
A democracia representativa dos nossos países europeus é criação americana, data da Revolução Americana, anterior à Revolução Francesa, e inspira-se na Confederação dos Grandes Lagos, estudada por Benjamin Franklin, em que representantes de cinco nações índias se reuniam, diziam os seus problemas e decidiam, votando. Ao contrário da velha democracia ateniense, esta não nasceu com mecanismos que a protegessem de o poder ficar nas mãos de “uns poucos”, oligo, os poucos que têm muito dinheiro, não foi possível evitar que os nossos representantes fossem manipulados ou comprados, que caíssemos numa oligarquia, que, hoje, é global.
Tão poderosa é a oligarquia que nos manipula que, no século passado, em todas as nossas democracias, conseguiu que os deputados criassem leis que proibissem os Bancos Centrais de emprestar dinheiro aos Estados, obrigando-os a financiarem-se nos “mercados”, ou seja, a pagar uma renda aos “poucos” que têm o dinheiro para o emprestar, sobretudo os bancos privados e os seus fundos.
Em França, por exemplo, foi no Natal de 1973 que os deputados passaram a lei que proibia o governo de se financiar no Banco de França. Desde aí, a dívida externa francesa, que era insignificante, subiu para a casa das centenas de milhares de milhões de euros, como tem acontecido em todos os países.
Quando o euro foi criado, a proibição de o Banco Central Europeu emprestar dinheiro aos governos ficou no tratado de Maastricht e mantém-se no Tratado de Lisboa, é o artigo 123.

1. É proibida a concessão de créditos sob a forma de descobertos ou sob qualquer outra forma pelo Banco Central Europeu ou pelos bancos centrais nacionais dos Estados-Membros, adiante designados por «bancos centrais nacionais», em benefício de instituições, órgãos ou organismos da União, governos centrais, autoridades regionais, locais, ou outras autoridades públicas, outros organismos do sector público ou empresas públicas dos Estados-Membros, bem como a compra directa de títulos de dívida a essas entidades, pelo Banco Central Europeu ou pelos bancos centrais nacionais. 
2. As disposições do n.o 1 não se aplicam às instituições de crédito de capitais públicos às quais, no contexto da oferta de reservas pelos bancos centrais, será dado, pelos bancos centrais nacionais e pelo Banco Central Europeu, o mesmo tratamento que às instituições de crédito privadas.

O Tratado de Lisboa, para o qual nos prometeram um referendo, promessa não cumprida, foi aprovado na Assembleia da República. Temos uma lei, discreta entre tantas, que permite à Caixa Geral dos Depósitos e aos (grandes) bancos privados financiarem-se no Banco Central Europeu à taxa de 0,25% e obriga os Estados a financiarem-se “nos mercados” (nesses bancos privados, fundamentalmente), desde a 1%, para a Alemanha, até a mais de 90%, como aconteceu com a Grécia, passando pelos “simpáticos” 5% que a “troika” nos “ofereceu”. Os nossos deputados, como nas outras democracias, votaram uma lei que leva os Estados, por meio dos impostos dos cidadãos, a pagar uma renda aos grandes bancos. As pessoas singulares podem investir na divida publica dos países, o que não podem, ao contrário dos grandes bancos, é financiarem-se no BCE a 0,25%! São “os mercados”. As nossas “democracias” são uma oligarquia assim disfarçada, os nossos representantes os representantes dela.
Ao votarmos deputados para o Parlamento Europeu que não vão por em causa esta situação, que deixarão o artigo 123 no seu lugar, “legitimámos” a oligarquia.

Como é isto possível, se não existe censura nas nossas sociedades, se tudo pode ser, e é, denunciado, exposto? É que a velha censura foi substituída, desde há décadas, pela desinformação. A quantidade de lixo informativo que é produzida destina-se a submergir a informação. E a mentira, elaborada, “científica”, “atempada”, atraente, “sensata” é-nos continuamente fornecida, bem embalada, acessível.
Vivemos num sistema em que há um enorme investimento destinado a que nos seja impossível ser conscientes e responsáveis. E é claro que, para haver democracia, teríamos que o ser.
Não somos quem escolhe os deputados, apresentados pelos partidos em que podemos votar. Eles são escolhidos pelo poder real, o da oligarquia, a nacional e, sobretudo, a internacional.
As árvores conhecem-se pelos seus frutos. A democracia ateniense deu uma época de criação cultural que ainda brilha. As democracias europeias do pós-guerra deram uma época de liberdade e dignidade humanas, para todos, que Europa nunca conhecera. Os frutos do nosso tempo (se não acordarmos) serão os de uma oligarquia, serão a miséria e a guerra.
Desencorajados de discutir ideias, deixando-as aos “especialistas” (do marketing), nem liberdade ou dignidade teremos. Seremos escravos, inconscientes da sua condição.

2 comentários:

  1. Um jornal local de qualidade só é exequível com artigos de opinião de reconhecido interesse. Obrigado querido amigo por emprestar o seu valor ao NOTÍCIAS DE SANTO TIRSO.
    Augusto Pimenta

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  2. Obrigado pela sua coragem em publicar isto. Imagino que tenha incomodado algumas cabecas "bem pensantes"!

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