segunda-feira, 4 de abril de 2016

O fabrico da "mayonnaise"

Dizem que não se pode estar nervoso para fazer maionese. Ao ovo acrescenta-se azeite e vai-se batendo a mistura, de uma forma contínua, persistente.
Há quem diga que os direitos humanos são coisa da nossa cultura, que deveríamos respeitar as culturas machistas, por exemplo, que fazem uma hierarquia de género. Mas os direitos humanos são universais, são uma  ambição genuína, a ambição da Paz, que só se pode atingir respeitando-nos uns aos outros. É um caminho que se está a fazer e que custa -- como, agora, aos angolanos presos por razões políticas. Os direitos humanos foram aceites por todos os países porque fazem mesmo sentido!

Estes refugiados que atravessam Europa a pé, alguns deles dando a volta à Suécia pelo Norte, para chegar a Noruega, passando para lá do Círculo Polar Ártico, em regiões geladas, impressionam-nos porque a mulher vai descalça e é quem leva as crianças! Sentimo-los como muito diferentes de nós, indignamo-nos mas eu lembro-me das mulheres portuguesas andarem descalças, carregando cestos à cabeça, pela estrada fora; uma lei obrigou-as a andar calçadas e muitas resistiam usando só um chinelo, para evitar a multa. A emancipação da mulher é um milagre recente, em Portugal. Quando vejo os europeus indignados, dizendo que “esta gente" não é integrável, lembra-me aquelas pessoas que se arrependem de ter convidado alguém que não desdobrou o guardanapo, esquecidas de como seriam alguns dos seus bisavós.
Acho mais razoável indignarmo-nos por eles virem a pé, por termos governos que os acolhem mal e que não souberam oferecer-lhes um bilhete de comboio! Conversemos com os refugiados, não com o seu guardanapo, porque o seu antiquado machismo não resistirá ao tempo.
Trajo tradicional tirsense
Integrar não é pedir que sejam iguais a nós, é misturarmo-nos, aprendendo e ensinando. Sabendo que demandam Europa fugidos à guerra (que lhes criámos!) mas também porque, cá, esperam que se respeitem os direitos humanos.
Bom! -- caminha-se para esse objectivo, que atingiremos, com persistência e esforço.
Se descansarmos a meio, a maionese "destalha"!

Alexandre Magno, aluno de Aristóteles, respeitava os povos conquistados. Alexandria, no Egipto, com a sua fabulosa biblioteca, foi, estando em África, a capital da cultura "europeia", durante séculos; o helenismo foi uma maionese bem sucedida, na ciência e nas artes. Destalhou; mas a maionese destalhada deve ser deitada sobre nova gema, devagar, como se fora azeite... Ainda há pouco defendíamos o martírio, os cristãos, éramos fundamentalistas, queimávamos hereges em fogueiras; baptizávamos os pretos à força e trazíamo-los como escravos, para longe da sua terra...
A mulher que vem descalça espera encontrar entre nós respeito, igualdade, tolerância...
Elas talvez sejam a nova gema de ovo, a nova semente, de que precisamos para transmutar o grosseiro materialismo em que destalhámos, quiçá esquecidos de ler o materialista Voltaire, advogado da tolerância (et pas mal de français en profiteraient, eux aussi!).

Ou, se a tolerância para com os nossos disparates no Médio Oriente no-lo permitir, talvez sejamos, os europeus, a gema, a semente, que, regada, devagarinho, pelos refugiados, nos transmute a todos, qual maionese bem sucedida, cujo brilho ofusque a memória do farol de Alexandria! Com calma e com persistência, sem parar de bater a mistura (foueter!), sem descanso até que esteja pronta, a civilização greco-romana-judaico-cristã-muçulmana. Que foi "caldeada" no Egipto e na Índia e respeita, sem hierarquias, todos os povos do mundo.
Os portugueses sonhámo-la pelo menos desde D.Dinis, “que fez tudo quanto quis”!
Desde que Portugal destalhou.

E há tanto que fazer, que “bater”:


charity: water promo featuring "Time Bomb" by Beck from charity: water on Vimeo.

1 comentário:

  1. A nossa mistura com os da metrópole demorou e custou. Fizemos a maionese, sim, mas não foi fácil!
    Oxalá essa experiência sirva para a Europa receber os sírios e os outros.

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