segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Des faits accomplis"

Costumámos traduzir a expressão por "factos consumados" e usámo-la para dizer que já não é possível corrigir um erro.
Ora, nunca é tarde para corrigir os erros. E o único momento em que "tudo está consumado" é a morte -- e mesmo essa, para muitos, não passa da curva da estrada, onde novo caminho começa.

Antes de termos restaurado a democracia (e antes dela ter degenerado, paulatinamente, numa oligarquia) o poder político fazia o que tinha por bom sem precisar de o esconder dos cidadãos. Quando passou a ser preciso tomar em conta a vontade destes, bastas vezes aconteceu que as coisas eram feitas e, depois, apresentadas como "factos consumados". Cá em Santo Tirso o exemplo que vem à memória é o da destruição do edifício, dos anos 30, do Hotel Cidnay. A Câmara, na altura PPD (PSD), já depois de ter perdido as eleições, permitiu o início da destruição. Quando a administração PS, enfim, tomou posse, decidiu que se tratava de um "facto consumado" e não tratou de julgar os responsáveis nem de consertar os estragos, de mandar fazer um bom projecto de reconstrução -- note-se que, ao tempo, o crédito e os dinheiros da CEE ainda não estavam disponíveis, portanto, entre gastar muito dinheiro ou ganhar muito, permitindo a nova construção, a escolha foi o erro. Foi assim que nasceu aquele edifício moderno, digno de um prémio Pulitzer, a rematar a praça.
E, desde aí, o processo do "facto consumado" tornou-se banal. A casa dos condes de Restelo, em Além-do-rio, foi destruída atrás da sua fachada e, quando esta, por fim, caiu, ficou um "facto consumado".
Entretanto, como se sabe, a opinião pública esclarecida deixou de ter importância, os jornais passaram a temer o poder político que os subsidia e controla (falo dos hebdomadários, porque o "Notícias de Santo Tirso", mensal, continua a ser uma vaga esperança e o "Entre-Margens", quinzenal, continua a luta). A impunidade é real, a democracia é coisa dos ingleses, coisa estranha; entre nós apenas significa, de quatro em quatro anos, a escolha eleitoral entre dois partidos idênticos, coisa que apenas interessa aos eleitos, em nada aos seus eleitores.

Como tenho repetido neste blog, estes são tempos de mudança. O abuso do poder levará, inexoravelmente, à sua "defenestração". A indignação não será apenas no nosso micro-cosmos tirsense, é planetária. Aquilo que está a nascer é a convicção de que as decisões devem ser tomadas por consenso, devem ser discutidas exaustivamente. Os dinheiros públicos são isso mesmo, públicos, destinam-se a satisfazer o que é prioritário, a criar civilização. Não se destinam a criar milionários.
Deixo aqui um "link" para o segundo artigo sobre "A construção da máfia portuguesa", de José Pacheco Pereira, com a devida vénia. Lúcido artigo, de um autor que demora a perceber que o capitalismo chega ao seu fim e que isso nada tem a ver com os fantasmas das revoluções do século XX.

2 comentários:

  1. O local é belo.
    A paisagem, deslumbrante.
    o passadiço, caríssimo, dispensável, megalómano!
    Um caminho ao nível do chão:
    - teria sido mais barato.
    - seria mais educativo.
    - seria mais natural.
    - obrigaria a ver o rio poluído mais de perto.
    A ponte, é importante.
    O Ave, está poluído.
    O Vizela, está poluído.
    O que dirão os Presidentes? Estarão, certamente, contentes.
    Falarão de carpas de cinco quilos?
    Mas não no prato, obviamente!
    Contentam-se com pouco... Pobrezinhos!

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  2. Tenho a impressão que a poluição dos rios está a ser tratada como um "facto consumado".
    É claro que aqueles a quem demos o poder de decidir deveriam "rever as suas prioridades": às tantas seria possível fazer este percurso, o qual faz todo o sentido, por um décimo do preço, e levar a bom termo a despoluição, outra iniciativa antiga que faz todo o sentido -- mas que ainda não foi conseguida!

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