quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Afrodite

Os deuses continuam vivos, eternos, símbolos que são, arquétipos como ora lhes chamamos.
Invocá-los ajuda-nos, pois, embora lhes sejamos indiferentes, a consciência que tivermos deles é consciência do nosso inconsciente, é caminho de sabedoria.
Invoco Hermes (o Mercúrio dos romanos), o deus dos blogs, para comunicar um conceito que me transcende, para partilhar um ponto de vista.
Afrodite (a Vénus dos romanos) é a deusa do amor e da beleza, da harmonia e do prazer.
Decerto não é a deusa do sacrifício, da dor; porém, muitos cristãos identificam amor com sacrifício. Paulo de Tarso (S. Paulo), pregador cristão, disse aos gregos que lhes vinha anunciar o “deus desconhecido”, para o qual já tinham um altar, receosos de deixar esquecido algum arquétipo, que, inconscientemente, lhes viesse desequilibrar a vida.
Cristo, o “deus desconhecido” dos gregos, dizia, essencialmente, que amássemos os outros como a nós mesmos. A “boa nova” consistia em sairmos do egocentrismo e percebermos os outros como fazendo parte de nós, tratava-se de tirar as baias, de alargar o horizonte; chegara o tempo de honrar, também, esse novo deus, dizia Paulo.
Mas que fizeram os cristãos, que Constantino levou ao poder do Império Romano? Foram, progressivamente, idolatrando o sacrifício, esqueceram a harmonia, o equilíbrio, o prazer, a beleza -- Afrodite! -- e trataram de amar o próximo mais que a si mesmos, pensando subornar Cristo, maltratando-se.
Ele falara em amar o próximo como a si mesmo, nem mais que a si, nem menos. Eles trataram de comprar uma entrada para o reino que não é deste mundo, martirizando-se, alheios à beleza da mensagem.
Hoje, os que procuram a boa vontade, a comunhão dos homens dispersos por diversas crenças, os ecumenistas, como o Dalai Lama, ou, quiçá, o papa Francisco, pregam a compaixão e incluem a compaixão por si mesmo, propõem que, mais que alargar os horizontes, se suba onde se possa ver a miséria humana, os fanatismos míopes, as guerras inúteis … e se sinta compaixão, por todos nós.
Amar, fazer algo por quem se ama, não é sacrifício, é prazer, isso nos sussurra Afrodite, do fundo do inconsciente. E somos todos um, irmãos, nos diz, sereno, o “deus desconhecido”.
Assim saibamos receber, fraternos, as gentes que as guerras, que semeámos, nos trazem à porta.

sábado, 24 de outubro de 2015

A perrice do presidente

Nem a decência nem o bom senso são exigíveis por lei. Pode-se viver no topo da pirâmide social sem ter noção do que sejam -- desde que se conheçam as leis!
Assim como se pode ser professor universitário sem ter “aquilo que fica depois de se ter esquecido tudo”, como se chamava à cultura -- desde que se saiba o que vem nos manuais do assunto que se professa.
E até se pode ser Presidente de uma República Democrática sem a ter desejado no tempo da tirania, sem que a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade lhe sejam caras -- desde que se conheça a Constituição!

As sociedades são compostas de pessoas e elas obedecem à sua consciência, que pode estar submersa por racionalizações… errar é humano! É comum fazer projecções, atribuir aos outros qualidades nossas. Quem nunca ouviu uma pessoa privilegiada acusar alguém de não ser democrata, quando os seus privilégios estão em risco?

Os confrontos são coisas que acontecem. Poderiam ser resolvidos com diálogo… mas como dialogar com preconceitos? Como argumentar com raciocínios em que eles fazem parte dos dados?

“Mais vale prevenir que remediar”. Os portugueses nunca deveriam ter votado em Aníbal Cavaco Silva, foi um desleixo dos democratas, “irrevogável”.
A única vantagem dos erros é aprender com eles: oxalá os meus concidadãos não elejam o simpático professor Marcelo!

Entretanto, deixo aqui um artigo da Constituição, está na hora de o Sr. Presidente da República o usar;  é legítimo, como tudo o que nos disse o é, e viria justificar a última frase do discurso,
“Como Presidente da República assumo as minhas responsabilidades constitucionais. Compete agora aos Deputados assumir as suas. Boa noite.”:

Artigo 131.º 
(Renúncia ao mandato)
1. O Presidente da República pode renunciar ao mandato em mensagem dirigida à Assembleia da República. 
2. A renúncia torna-se efectiva com o conhecimento da mensagem pela Assembleia da República, sem prejuízo da sua ulterior publicação no Diário da República.

Sugiro deixar uma justificação, na mensagem à Assembleia: “Receio estar a assustar os mercados”.

E poderia acrescentar: Cometi o erro grave de não ter demitido a tempo um governo de oportunistas.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Luaty Beirão

Este cidadão com dupla nacionalidade, a angolana e a portuguesa, está a chegar a um mês de greve de fome, lutando assim pela sua libertação, pela dos seus colegas ilegalmente presos, como ele, mas também pela libertação do povo angolano.
Sabe a fisiologia que, a partir de agora, por falta de proteínas, sobretudo, terá danos irreversíveis no organismo. Não sabemos o que tem o soro que, nestes últimos dias, a propósito de que não consegue beber, lhe estão a administrar, tendo-o o poder transferido da prisão para um Hospital, certamente por medo, mas quiçá por um muito tardio despertar da consciência que nos é comum, a escravos e a tiranos, por mais que a enterrem.

Além de, mostrando ao mundo a situação política angolana, a de uma oligarquia tirânica vestida de “democracia”, Luaty estar a tirar o chão ao governo de Angola, ele está a mostrar a todos os que habitamos a Terra a eficácia do caminho da não-violência.
Reflectindo sobre a luta dele, os portugueses podem ver a oligarquia caseira e a mundial, menos visíveis que a angolana, mas análogas.
Podemos, em todo o mundo, tomar consciência de que a vida está dominada pelo dólar, produzido aos triliões pela Reserva Federal, a partir do nada, instrumento capaz de comprar países, submergir consciências, empobrecer todos.
Podemos pôr em causa que seja fabricado por privados (sem mesmo o materializarem em notas!), que o entregam a bancos privados, que o fabricam, também eles, ao poderem ficar, por lei, apenas com uma reserva de 10% do que emprestaram. E podemos interrogarmo-nos a que propósito pagámos juros por isso, e impostos para pagar juros das dívidas dos Estados; dinheiro que gera poder, que gera dinheiro, que gera poder, que gera dinheiro…
Angola e os seus governantes escravos do dólar, serve para caricaturar o mundo, para o entendermos.
E serve para nos mostrar que a revolução em curso só pode ser não-violenta. Só pode acontecer a partir de um número suficiente de cidadãos conscientes. Um número preciso de pessoas, no mundo. Um limiar biológico da Terra.
Nos organismos há limiares. Tomemos como exemplo a glicemia, a taxa de glicose no sangue; a glicose é um açúcar, o nosso combustível para funcionarmos, vivermos. Há um limiar, um número preciso abaixo do qual o organismo entra em coma. Um outro, mais abaixo, a partir do qual entra em choque e morre. Depois de transformar as proteínas dos seus músculos em glicose até esse número, Luaty morre, dentro de duas ou três semanas, no máximo, se não lhe for dada glicose.
Da mesma forma, admitindo a hipótese de Gaia e nós nela, há um limiar, um número de pessoas conscientes a partir do qual tudo muda, abruptamente. Pode ser como o limiar de ruído a partir do qual, por mais sonolentos que estejamos, acordamos. Há um limiar para tudo.

Passou, no Rivoli, um filme sobre um aspecto da obra de Fanon, sobre a descolonização, que alguns interpretam como uma “justificação” da violência, perante a quotidiana violência que é qualquer colonização. Como aquela a que o dólar sujeita o mundo.
Mas não é um caminho, violência gera apenas violência, não gera Liberdade. O MPLA usou a violência contra o colonizador, tinha, obviamente, a Justiça do seu lado -- mas gerou o pesadelo presente em Angola. Gandhi usou a não-violência e conseguiu uma independência real, conseguiu manter o melhor da cultura do colonizador (universidades magníficas, por exemplo) e um caminho de libertação que a Índia continua a trilhar.

Luaty Beirão, ao escolher a luta não-violenta, é, neste momento, um farol para o mundo.
Embora a nossa Embaixada em Luanda se tenha preocupado, o nosso governo cessante e o nosso presidente da República cessante, ao não falarem em nome dos Direitos Humanos, neste caso e neste momento, ajudam-nos a perceber que nos não representam, embora eleitos.


sábado, 17 de outubro de 2015

"Democratising the Eurozone" - Yanis Varoufakis

A Conferencia de Yanis Varoufakis na Universidade de Coimbra merece ser ouvida por todos. É em inglês, infelizmente -- alguém a há-de legendar, espero! Entretanto, aqui fica.

18 de Outubro  A RTP retirou o acesso no YouTube à conferência, invocando “direitos de autor”. Eis que, na RTP, o lucro se sobrepõe à função de serviço público para que foi criada. Uma metáfora da conferência, a “democracia” europeia submete-se a um “cartel” de poder financeiro americano.
18 de Outubro, à noite A RTP permitiu outro link
Talvez o mais “chocante”, na conferência, tenha sido a história da formação da União Europeia e do Euro, uma “almofada” para o dólar. Porém Varoufakis louva o trabalho de Mário Draghi, que está sujeito às regras da União Europeia e não pode fazer mais. E continua a acreditar no projecto europeu, só que precisa de ser democratizado: diz, do parlamento europeu, que não tem o poder de ter iniciativas legislativas nem o poder de remover a Comissão Europeia, é uma fachada para “legitimar” uma oligarquia.
Varoufakis começa por pedir para comparar a academia, as universidades, com a democracia, a estrutura político-social. Fala da liberdade de investigar, de colocar hipóteses, de discutir que é a essência da Universidade e de como, sujeita, a partir dos anos 70, a aprovação de “fundos”, deixou de ser… vê-se que quer contribuir para refazer a tradicional liberdade, autonomia, das universidades, a par do refazer da democracia europeia. E começa por nos demonstrar o que se perdeu. Diz-nos que se um professor quer ser reitor isso é razão suficiente para não ser escolhido para o cargo e assim deveria ser com os políticos. Trata-se de um serviço, que deveria ser aceite com relutância!
Conta, por exemplo, como foi encarregado de levar aos ministros das finanças da eurozona a resposta do governo grego ao ultimato que pedia que aceitasse empréstimos em condições que sabia não poder cumprir. Essa resposta foi “Não podemos assinar, pois são condições impossíveis, fomos eleitos para resolver o problema, não para o agravar, mas vamos perguntar ao povo grego e trazemos a resposta dentro de uma semana”. A reacção dos ministros das finanças europeus foi de escandalo: “quer submeter um documento tão complexo ao escrutínio popular?”. Varoufakis chama platónico ao pensamento político dos seus colegas europeus. Platão era um anti-democrata, achava que se não pode deixar ao povo as decisões importantes -- ao contrário de Aristóteles.
Ficou surpreendido com a coragem dos gregos, ao recusarem o ultimatum e não pôde acompanhar Tsipras, de quem continua amigo, quando este decidiu, contra o voto popular, ceder ao poder económico europeu (que, adiante, nos mostra ser internacional, centrado no dólar).

A lucidez, a reflexão que foi precisa para tão clara conferência, merecia que ela fosse divulgada. A RTP, sujeita a regras de mercado, falha a sua função. Varoufakis conta que mostrou aos colegas a necessidade de mudar as regras do Euro… “--Não!” “-- E porque não?” “-- Porque isso não pode ser”.

Regras feitas por homens, que criam injustiça, e regras defendidas por censura, como esta da RTP, por leis (que se poderiam mudar), por tribunais, por polícias, pelo medo… e, sobretudo, pela ignorância dos cidadãos, que andam a dormir.


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O Costa

“If you can keep your head when all about you
 Are loosing theirs and blaming it on you"

in Rudyard Kipling, "If"

Não simpatizo instintivamente com o personagem mas quando vejo actores responsáveis tratar os deputados eleitos pela esquerda como se não tivessem voz, nem mesmo o direito de existir, esperando do Dr. António Costa que se lhes junte, aos “bons europeus", e o vejo tranquilo, respeitando todos, procurando o melhor caminho, só lhe posso desejar felicidades!

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Formar governo

O Fundo Monetário Internacional anunciou previsões pessimistas para o Mundo e, nele, Europa e Portugal. A “austeridade”, se simultaneamente em vários países, diminui as trocas comerciais e atrasa o desenvolvimento. O Banco Central Europeu reconheceu o resultado dela e tenta financiar os países -- mas está condicionado pelo citado artigo 123 do Tratado de Lisboa, que o proíbe de financiar Estados, apenas pode financiar os grandes bancos, os quais financiarão os Estados, à taxa que lhes aprouver.
Revogar esse artigo do Tratado da União Europeia é a prioridade política por excelência. Porém, tal não aparece nos programas dos partidos; será porque sabem que é irrealizável, sabem que quem manda é a oligarquia financeira? 
Os europeus abstêm-se cada vez mais, assumem que a política não está nas mãos dos eleitores mas nas do poder financeiro.
Mas houve vários partidos que se apresentaram aos eleitores dizendo-se contra a austeridade -- isto sem irem ao fundo da questão, sem terem posto em causa a estrutura da nossa moeda, sem verem que ela é fabricada a partir do nada por uma oligarquia, a qual, depois de a ter criado, a empresta aos Estados com juros, Estados esses que se vêm gregos para os pagar, subindo os impostos para níveis que prejudicam a economia. Presumindo que esses partidos iriam aumentar a dívida, a qual já não é sustentável, ou, pior, que iriam aumentar os impostos (a quem ainda os possa pagar), a classe média não votou nesses partidos, assustada. Mas sabe que a austeridade levou o país a uma situação análoga à da Grécia, com uma dívida de 130% do PIB; sabe, se não usar o processo psicológico chamado “negação”, que temos que mudar de rumo.
A maioria dos eleitores portugueses votou na mudança, votou contra a austeridade, que reputados economistas há muito denunciaram como um erro.
Foi um voto claro mas disperso por vários partidos. O voto conservador foi numa coligação, a qual teve a maioria relativa; deve formar governo?
Um erro cometido pede que o reconheçamos e que deixemos de o cometer. Essa a base para experimentar outros caminhos, o melhor que soubermos.
Deixemos a “democracia” que temos procurar esses caminhos. E buscar aliados nos outros países europeus para mudar o rumo da União -- é mais que tempo. Tiro o chapéu a Jerónimo de Sousa, que abandonou o paradigma de se não aliar com quem defende o capitalismo e pôs Portugal à frente, abriu a porta a um governo que tente acabar com a austeridade!
É possível, juridicamente, acabar com a sangria das PPPs, com os privilégios da EDP, com os resgates de bancos à custa dos impostos, há muita coisa a fazer enquanto a União não percebe que tem que revogar o artigo 123.

"Nenhum problema pode ser resolvido com o mesmo nível de consciência com que foi criado”
 Albert Einstein
PT 30.3.2010 JornalOficialdaUniãoEuropeia C83/99 

Artigo 123.o

(ex-artigo 101.o TCE)

1. É proibida a concessão de créditos sob a forma de descobertos ou sob qualquer outra forma pelo Banco Central Europeu ou pelos bancos centrais nacionais dos Estados-Membros, adiante designados por «bancos centrais nacionais», em benefício de instituições, órgãos ou organismos da União, governos centrais, autoridades regionais, locais, ou outras autoridades públicas, outros organismos do sector público ou empresas públicas dos Estados-Membros, bem como a compra directa de títulos de dívida a essas entidades, pelo Banco Central Europeu ou pelos bancos centrais nacionais.

2. As disposições do n.o 1 não se aplicam às instituições de crédito de capitais públicos às quais, no contexto da oferta de reservas pelos bancos centrais, será dado, pelos bancos centrais nacionais e pelo Banco Central Europeu, o mesmo tratamento que às instituições de crédito privadas.

sábado, 3 de outubro de 2015

Morreu um Amigo

Só agora soube que o Dr Mario Trepa, tirsense, geólogo, democrata e tanto que as palavras não sabem dizer, nos deixou, em Aveiro, onde morava desde há uns anos. 
Gratidão, eis o que ainda sentem, por ele, os que o conheceram.