sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Moçambique

Deixo aqui, com a devida vénia (incluindo a de o não comentar), um texto de Mia Couto:

    A Porta

   Era uma vez uma porta que, em Moçambique, abria para Moçambique. Junto da porta havia um porteiro. Chegou um indiano moçambicano e pediu para passar. O porteiro escutou vozes dizendo:
   - Não abras! Essa gente tem mania que passa à frente!
   E a porta não foi aberta. Chegou um mulato moçambicano, querendo entrar. De novo, se escutaram protestos:
   - Não deixa entrar, esses não são a maioria.
   Apareceu um moçambicano branco e o porteiro foi assaltado por protestos:
    - Não abre! Esses não são originais!
   E a porta não se abriu. Apareceu um negro moçambicano solicitando passagem. E logo surgiram protestos:
   - Esse aí é do Sul! Estamos cansados dessas preferências...
   E o porteiro negou passagem. Apareceu outro moçambicano de raça negra, reclamando passagem:
   - Se você deixar passar esse aí, nós vamos-te acusar de tribalismo!
   O porteiro voltou a guardar a chave, negando aceder o pedido.
  Foi então que surgiu um estrangeiro, mandando em inglês, com a carteira cheia de dinheiro. Comprou a porta, comprou o porteiro e meteu a chave no bolso.
   Depois, nunca mais nenhum moçambicano passou por aquela porta que, em tempos, se abria de Moçambique para Moçambique.

   Mia Couto

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