domingo, 17 de agosto de 2014

“Entre marido e mulher, não metas a colher"

Aquela mulher amava o marido, cuidava dele de acordo com os costumes e com carinho por cima, aceitava que o seu ordenado fosse para a educação dos filhos—mas não conseguia entender o direito à agressão. Na “caixa” (craniana?) do marido, ele tinha o direito de descarregar as suas frustrações, sob a forma de agressão, sobre a mulher. Fossem elas problemas no trabalho, “flirts” mal sucedidos, credores impacientes, sei lá!
Ela tinha simpatia natural para ouvir queixas, sabia descansá-lo mas não aceitava a agressão. E não estou a falar de porrada, que era rara, mas das milhentas formas de agressão que existem – e que são a consequência natural das frustrações, se a cultura em que se vive nos não der a obrigação de reprimir, nesse particular, as leis da psicologia e se acreditarmos nela sem reflexão.

Aquela mulher passou décadas a explicar ao marido a noção de respeito, os Direitos Humanos, por palavras dela. Debalde. A noção de que a mulher tenha os mesmos direitos que o homem é recente, não existe na maioria das culturas do mundo. Existe na maioria das leis por que elas se regem, pois quase todos os países assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos mas as sociedades regem-se pelo senso comum, não pelas suas leis.

Seguro do seu senso comum, sabedor de que é mesmo comum, o marido, se a ouvia, em momentos de desespero por maus tratos, evocar os Direitos Humanos, perdia as estribeiras. Eram os raros momentos das agressões físicas.
Aquela mulher, um dia, caiu na asneira de dizer que podia chamar a policia. Apanhou mesmo. A “deslealdade” foi considerada, pelo marido, como punível severamente. Em casa, porque “entre marido e mulher não metas a colher”.

Quando falo do “deficit democrático”, em Santo Tirso, em Portugal e no mundo, falo destas “caixas” culturais em que vive muita gente. É que essas caixas têm fechos por fora e por dentro. E é preciso abrir ambos, para libertar os encaixotados. É preciso que a sociedade queira e que eles queiram. Não acontece espontaneamente, não se caminha sentado.
22 de Setembro de 2014: As Nações Unidas laçam campanha pela igualdade entre os géneros.
17 de Dezembro de 2014: Artigo no Público

4 comentários:

  1. Isso da igualdade de direitos entre homem e mulher é uma treta... populismo reles!

    As mulheres que não queiram ter os mesmos direitos que os homens mas sim os seus próprios direitos! Bem distintos!

    E, já agora, entre duas pessoas não pode haver democracia... cada macaco no seu galho...

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  2. Portugal teve um enorme progresso social, nas ultimas decadas, em Direitos Humanos e, particularmente, um enorme progresso na emancipacao da mulher.
    A matriz cultural antiga, como noutros lados, dava ao homem uma supremacia socialmente aceite que configurava um privilegio. Como se sabe ninguem gosta de perder privilegios. As diferencas entre os homens e as mulheres foram usadas para os “justificar” mas o assunto da dignidade humana nao tem genero.
    Gostei do “populismo reles” LOL, parece-me muito democrata!

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  3. uma grande parte da decadência desta nossa civilização ocidental, resulta de os homens não quererem ser homens e das mulheres não quererem ser mulheres

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  4. Teríamos que chegar a um entendimento sobre o que seja “decadência" e “civilização". Depois, se há uma ou varias civilizações ocidentais. Havendo só uma, se ela está em decadência ou não. Estando, se isso tem a ver com os homens e as mulheres querem ser homens e mulheres ou não quererem. E, por fim, se as leis diferentes para homens e para mulheres favoreceriam esse querer ser homens e mulheres. Muita coisa!
    Opiniões são opiniões, coisa diferente de conhecimento, exprimo as minhas, claro! A Civilização Islamica teve o seu apogeu na Andaluzia, no século XII. As três religiões de Europa viviam em harmonia e a ciência e as artes floresciam. A poesia que ficou mostra-nos como as mulheres eram amadas e respeitadas. Nesse tempo os homens civilizados de Europa, a braços com a Inquisição nascente, com a intolerância, visitavam Universidades, como a de Fez, sedentos de “civilização”.
    À medida que a Civilização Islâmica entrou em decadência, terão aparecido pessoas como o caro anónimo, que insistiram nas leis diferentes para homens e para mulheres, para parar a decadência. Passaram muitos séculos e continuam a defender essas ideias. Pode ser que consigam vender-nos esse remedio, são bons vendedores... Conseguiriam destruir a nossa civilização mas isso tràr-lhes-ia, de novo, a maravilhosa tolerância e cultura do século XII?
    Estamos em tempos de mudança, o dinheiro tem que deixar de ser produzido por privados que emprestam esse instrumento com juros e empobrecem todos – isso é o nosso problema mas será decadência? Todos vimos a fotografia de um cometa, não será isso civilização? Ou olhe para esta tranquila conversa, aqui, sem precisarmos de papel ou tinta, de trabalhoso transporte da missiva... parece-lhe decadência?

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