terça-feira, 5 de agosto de 2014

Um texto de Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros.

"Ah, é um erro doloroso e crasso aquela distinção que os revolucionários estabelecem entre burgueses e povo, ou fidalgos e povo, ou governantes e governados. A distinção é entre adaptados e inadaptados: o mais é literatura, e má literatura. O mendigo, se é adaptado, pode amanhã ser rei, porém perdeu com isso a virtude de ser mendigo. Passou a fronteira e perdeu a nacionalidade.
    Isto me consola neste escritório estreito, cujas janelas mal lavadas dão sobre uma rua sem alegria. Isto me consola, em o qual tenho por irmãos os criadores da consciência do mundo
(...)
De um lado estão os reis, com o seu prestígio, os imperadores, com a sua glória, os gênios, com a sua aura, os chefes do povo, com o seu domínio, as prostitutas, os profetas e os ricos... Do outro estamos nós -- o moço de fretes da esquina, o dramaturgo atabalhoado William Shakespeare, o barbeiro das anedotas, o mestre-escola John Milton, o marçano da tenda, o vadio Dante Alighieri, os que a morte esquece ou consagra, e a vida esqueceu sem consagrar."

4 comentários:

  1. De um lado o bem, do outro o mal (só um dos lados entrará no reino dos céus)
    Mas conformismo não! Há que combatê-los, os do lado de lá! Assim se apimenta a vida :)

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  2. Sou republicano, no aqui e no agora, alheio a violencia. Deito pimenta na comida, de facto. O bem e o mal sao as duas faces da mesma moeda… nao gosto de fascistas mas e uma ideossincrasia.

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  3. Não são maus, os "adaptados", o que me parece que Bernardo Soares diz, é que são um desperdício de vida, de criação de consciência.

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